quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O alvorecer de um amor poente

Dádiva do tempo,
maldição das horas.
Nada está ao teu contento;
tudo consiste em demoras.

Qual o momento exato para a tua satisfação?
Será que quem paga o pato tem direito à refeição?

Rodeado de relógios,
e o que me apontam os ponteiros?
Veja! São cenas do próximo episódio!
Serei ainda o teu companheiro ao final da temporada?

Dádiva do tempo,
maldição das horas.
Nem água, nem cimento.
Somos feitos de auroras.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

A moça do i-phone de pérola


Existia uma mulher que muito queria, mas pouco oferecia.
Nunca perguntava "Oi, você vai bem?"
ou "Como foi o seu dia?".

Mas essa mulher, sem muito interesse em minha vida,
mantinha sua vigília sobre os meus passos e sentidos.

Um dia, pelo bosque, enamorei-me de um rapaz.
Tão belo de atitudes e de palavra tão voraz.

Mas eu, peça de decoração na sala de artefatos dessa mulher,
fui impedida de seguir com o jovem de braços abertos.

Como me libertar do art-déco quando meu coração quer art-nouveau?

Eu ficava tão confusa que caia em prantos e delírios.
E ela ria. A má, ria, nefanda e maquiavélica.

Busco nos meus gritos sufocados a libertação de madrugadas cheias de gente em volta,
mas vazias dentro de mim. Para um abraço entre dois, porém que me preenche como nunca antes vivi.

Existia uma mulher que muito queria, mas pouco oferecia.
Existia uma rapaz que muito oferecia, e pouco esperava.
Existia eu, que tanto queria, mas só decorava.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Definho de fininho


E de fininho eu definho
para que ninguém perceba que antes do homem virar pó
ele era lama.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Voo solo

E a dor que envolve o ser está presente.
Minhas emoções nuas gelam nos cumes de um doer pungente,
é o vento frio da solidão.

Pulo do alto vale em direção ao chão?
É o meu voo solo que não goza de companhia
nem de compaixão.

Mas quero acabar com a agonia.
Apenas ela. Minha vida eu ainda sonho em viver.

Quero poder transcrever as fantasias
nas linhas da mão que se inclinam para agir.

Mas elas não agem.

São tantos "mas" e "porém" e "só que".
Quero pular para dentro de mim.

Ternura e tocaia

Tudo que tange o teto também pode tocar a terra.
A tinta que tinge teus pelos trai o truque da fantasia.

Não me tente com seus olhos castanhos.
Não me tente com suas mãos curiosas.
Não me tente com seus sonhos insanos.
Não me tente com seus lábios cor-de-rosa.

Atente-se ao movimento do meu corpo.
Atenha-se ao horizonte e ao depois.
Atreva-se no caminho que deturpo.
Atravessa-me para que sejamos dois.

Não me tente com suas palavras bonitas.
A tentação é cruel para os fracos.
Não me ataque com seus gestos sinceros
ou com a atração que traz no abraço.

Tanto queria dizer, tanto queria criar.
Tanto queria que hoje quero tanto.

No entanto, trago um texto que retrata um tipo estranho.
Um tamanho trapo que troca os trajes para esconder o estrago.

É a travessia de fuga a caminho da toca.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Mar e poça

Era uma vez um rapaz e uma moça.
Cada qual tinha um mar,
cada qual tinha uma poça.

O mar tinha suas mil infinitudes,
era amplo e profundo e quase grande como o mundo.

A poça não tinha nada.
Só um palmo de água e suas decrepitudes.

Não sei se por medos das ondas
ou pavor das correntezas
os dois tinham medo do mar
e não viam as suas belezas.

E achavam que a poça era segura
pois dava pé e estava à mão.

Ora, mas que situação!
Com tanta água pra rolar
consideram a que está em inanição?

Pobre rapaz, pobre moça ...
Ao invés de se aventurar no mar,
acabaram se afogando na poça.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Noite inata

Acordei sorrindo
com a certeza de que dormiria ao teu lado.

Contei os segundos
e, entre ábacos e arabescos, eu vi a noite cair
para dar lugar ao calor de nossa paixão.

Colhi um lírio no canteiro dos justos
e lá estava eu, prestes a encontrá-la -
o coração á espreita de um gesto teu.

Cheguei no teu prédio
e já podia sentir o sabor dos teus lábios.
Bati em tua porta
mas você não apareceu.

Um recado foi-me entregue.
Não era letra tua escrita
naquele papel qualquer,
entregue por um alguém que não sabia o que somos nós.

Despi o sorriso da minha noite
e o lírio colhido para adornar o leito,
a flor que trouxe guardado no peito -
desfiz-me como se desfaz de uma lágrima amarga.

A nossa noite, jazendo inata,
é agora apenas noite solitária,
afundada no manguezal da solidão.

domingo, 15 de julho de 2012

Necessidade

Eu não preciso de você no mês quem vem.
Sabe lá Deus se verei setembro chegar.
Eu não preciso de você daqui a duas semanas.
Não estreei o meu calendário.

Nem preciso de você daqui a meia-hora.
Minha necessidade de ti é no cerne do agora.

Espero que não precises de mim em breve.
Talvez só vá me achar perdido no obituário.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Éramos dois

Éramos dois. E tudo à nossa volta era par. Duas cadeiras, uma de frente para a outra e nos sentamos. Duas taças de vinho. Duas taças de vinho. Duas taças de vinho e abrimos a segunda garrafa. Duas rolhas na bancada da varanda, dois corpos sobre o tapete da sala. 

Agora tudo se multiplica. São dedos, são lábios. São línguas, são pernas, grutas e cavernas. São gritos, são unhas, posições e travessuras. Eu sinto que dentro de você eu sou mais eu. Éramos dois, somos um.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sozinho

Eu estava sozinho. O fim de tarde fazia o breu invadir os meus aposentos. Tomei um banho e a toalha secava o meu corpo e as minhas lágrimas. Eu estava sozinho. Muito sozinho.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Ele disse que me amava

Nunca mais confio em alguém. Ele disse que me amava. Ele disse. ... Bem, ele não disse com todas as palavras, mas fez tudo o que um homem apaixonado faria. Ele me trouxe flores, me levou ao cinema, fomos jantar, fomos dançar. Ele trouxe flores, trocamos um beijo. Fomos jantar, fomos dançar, ele me trouxe em casa. Ele me trouxe flores, trocamos um beijo, fomos jantar, fomos para a cama. Ele me trouxe beijos, me trouxe carinhos, ele me trouxe orgasmos. Ele me trouxe flores. Ele sumiu.
Ele ligou, ele pediu desculpas, ele me trouxe flores, fomos jantar, fomos dançar, fomos para a cama. Trocamos beijos. Ele sumiu.
Ele ligou, ele pediu desculpas. Ele sumiu.
Ele ligou, ele trouxe flores, me deu um beijo. Fomos jantar, fomos pra cama. Ele ligou. Fomos dançar, trocamos beijos, fomos pra cama. Ele ligou. Ele deu adeus. Ele amava outra mulher.
Nunca mais confio em mim.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ama-me a mim mesma

Ela buscava nele o amor que por si mesma não sentia. Quanto mais ele a olhava com desejo, mais ela se sentia mulher. Quanto mais ele lhe dava flores, mais ela se sentia mulher. Cada "eu te amo" que ele falava fazia ela se amar. Coitado, ela não o amava. Usava-o como instrumento de amor próprio. Como um espelho reverso que reflete o que o outro vê, e faz do virtual a realidade. Pobre homem não amado. Ama e faz da mulher amada mais amada por ela mesma.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Para vós

Dizem que o mundo é pequeno.
Deve ser por isso que pessoas grandes se encontram nele.

Eu me esbarrei com gente enorme.
Gente com corações gigantescos,
talentos nababescos,
perfume de negresco.

Essa gente tão tamanha
enche o meu dia de grandezas.
E encontro em mim
belezas que não sabia enxergar.

Essas minhas pequenezas precisaram
de olhos sábios e gentis
para observar entre os meus gestos febris
aquilo que os fazem me amar.

Essa gente de muita alteza
faz sombra sobre a minha cabeça
e afasta o efervecer dos conflitos e agruras.

A mão dessa gente grande me afaga,
me cura e remedia para o dia de amanhã.

Estávamos tão distantes há pouco tempo,
e hoje, já nem lembro desse momento passado.
Vivo esse resquício de tarde, eterna memória:
canto bacante, alma alimentada, olhos serenos.

Há tanta grandeza em nosso mundo!
E dizem que o mundo é tão pequeno ...

quinta-feira, 28 de junho de 2012

De frente para a vida

Estou de frente para a vida.
A visão me assusta.
Não sei dar os passos que me levam ao futuro.
Mas mesmo parado o tempo passa.
O futuro me arrasta, não tive opção.
O tempo não espera que eu tire os pés do chão.
E o passado é uma avalanche que vem atrás de mim.
Posso ser sufocado pelas pedras que não se cansam em me ameaçar.
As pedras atingem.  As cicatrizes não fecham.
Quero tanto correr, mas minhas pernas não se movem.
A inércia já é uma fuga.
Estou de frente para a vida.
Quando ela me dará as costas?

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Begônias do quintal

Muito ouço por aí que só se colhe o que se planta.
Esquecem que nem todo jardim se desencanta ao natural.
Mesmo semeando as mais belas flores ou frutos
é possível ver nascer dores e lutos nas begônias do quintal.
Erva-daninha brota sozinha por inveja do sol.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ela é atriz

Isso não se nega. Ela é atriz.
Quer interpretar alguém diferente de si.

Quem será essa personagem que não é ela,
mas que ela anseia em ser
no palco?

Ela espera a cortina abrir para poder sê-la
e fazer todas as coisas que a outra faz.
Dizer o que a outra diz,
chorar as suas lágrimas,
corar as suas vergonhas,
defender as suas brigadas.

Ela espera o foco de luz para fazer o monólogo
que traduz em palavras e gestos
tudo o que nela é som e fúria.

Ela espera a deixa para levantar a cabeça
e mantê-la erguida enquanto mira
os seus desejos e sonhos.

Ela termina, se inclina;
chora o fechar da cortina e
a chuva de aplausos que lavam
a pessoa que ela foi nesse breve espetáculo.

Quem será essa mulher que é ela,
mas que anseia em se esconder em outras
no palco?

Quer ser diferente de si.
Ela é atriz. Ela se nega.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Poema que se come frio

Nem tudo o que reluz é ouro,
já diz o velho ditado.
Nem tudo se aguenta no couro,
digo eu, com o corpo cansado.

Meus dedos clicam nas teclas
extraindo a beleza que penso guardar.
De mim eu não sou um assecla.
Crio as promessas e o despistar.

Ainda me resta,
entre o nato e o aborto,
a vontade de ser em palavras,
de estar entre versos,
de viver nesse mundo complexo
onde o pecado não deprava.

Sem mais lágrimas ou horizontes,
quando eu fechar os olhos -
de frente pra morte ou da morte em diante -
não poderei mais sentir o mundo
e extraí-lo de mim como poesia.

Haverei de buscar novas formas
de transformar o que sou e o que vejo -
agora cego, talvez morto -
em texto, sangue ou desejo.

Quando eu fechar os olhos
e não ter mais movimento,
não será no berçário ou no velório
que expurgarão o meu sofrimento.

Minha maldição será meu legado,
enquanto lembrarem meu nome
viverás meu purgatório.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Corro e corro e corro

Corro e corro e corro.
Fujo e corro e corro e corro.
Minhas pernas doem,
meus olhos choram,
eu peço socorro.

Já estou fora de rumo há tanto tempo que nem sei de onde eu vim.
Onde era a minha primeira morada?
Não tenho lembranças de qualquer segurança.
Não tenho memórias de nenhum abrigo.

E corro e corro e corro.
Passei ruas, cruzei esquinas,
nadei rios, segui correntezas,
subi morro. E corro e corro
e não morro.

Será que meu corpo não se cansa?
Será que minhas forças não se esgotam?
Quero descanso. Quero descanso.
Pois eu corro e corro e corro.
Corro de pés descalços.

Corro e não sei para onde.
Fujo e não de quem.
Não conheço os porquês desta jornada.
E a cada dúvida mais eu corro, mais eu fujo,
menos sei.

E eu corro e corro e corro.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Condão e clarão

E eis que com seus dedos feiticeiros
ela muda as árvores de lugar.
"Cada macaco no seu galho"
já não está no cancioneiro
que se chama popular.

Fique à vontade bruxa velha ...
Não me importo com a tua invasão.
Vou-me embora deste retiro.
Se nestas águas tua face espelha
prefiro o deserto que há no sertão.

E se por acaso vier nos perseguir,
saiba que tenho a planejada vingança.
Enquanto dormias teu sono atrasado
eu recolhia o que deixavas cair:
teus sonhos e esperanças.

No primeiro sopro de ameaça
deixo expostas as tuas arestas.
Vá e não perturbe o justo.
Se voltar com tuas trapaças
eu é que acabo com a tua floresta.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Castelos

Estou feito um castelo de cartas.
Na passagem da mais leve brisa
não fica às sobre às, rei sobre dama.
Um castelo de cartas de um baralho já puído,
muito usado para a sorte, pouco lido por videntes.

Estou feito um castelo de areia.
Na chegada da mais leve onda
não fica grão sobre grão.
O castelo de areia é maciço,
é só de fachada, não cabe a solidão

Estou feito um castelo de sonhos.
Na passagem da mais leve dor
não fica grão sobre naipe, não fica fachada sobre sorte.
Fico eu, de cara para a morte,
esperando quem coloque pedra sobre pedra.

De volta

De volta ao nobre espaço
está este homem lasso
sem muito som,
sem muita fúria.

De volta da solidão
busco, será em vão?,
a companhia de vossos olhos atentos.

De volta com minhas palavras
mas ainda nas águas rasas
eu emerjo de onde não cheguei a afundar.

domingo, 25 de março de 2012

Eu e as horas

Perdido entre as horas
busco o farol de um aviso seu.
Onde foi parar o nosso casamento?
Nossas alianças estão perdendo o brilho.

Afogado nas horas
busco respirar ao emergir do meu pranto.
Onde foi parar o encanto de estar junto?

Meu dedos ficaram finos.
Seus dedos estão mais gordos.

À deriva nas horas
busco a terra firme que meus pés não encontram mais.

Vão-se os casais,
ficam os medos.

Só. Eu e as horas.

sábado, 10 de março de 2012

No banco do teu prédio

No banco do teu prédio
pensei ser remédio
o teu doce veneno.

E inoculaste a peçonha.
Meu corpo já não estranha
os teus dentes pequenos.

Hoje, sem banco e sem remédio,
o leito, outrora branco.
está amarelado,
está vazio - estou cansado.

Sim, teu veneno vicia.
Mas há de chegar o dia
em que tua presença se fará antídoto
e o meu desprezo, anticorpo fortelecido.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A atriz

à Kelzy Ecard

Ela pode ser todas.
Mas fora do palco ela é única.
E me surpreende a cada dia sendo ela mesma.

Ela pode ser tantas.
E eu já a vi as sendo.
Ela beijou outro homem e fez juras de amor,
disse coisas pra ele que nunca disse pra mim.
Ela também já matou, já morreu,
já casou, já sorriu, já sofreu.
Ela já foi carioca, paulista,
grega, francesa, americana.
Já cantou, já fez silêncio.
Já foi rainha, já foi camponesa.
Já foi cega.

Ela já foi muitas.
Mas é sempre ela.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Ser imperfeito não nega o amor no meu peito

Perdão, amor.
Não sei porque erro tanto.
'Inda mais quando tudo o que tento
é materializar em atos
o meu sentimento.

Desculpe, amor.
Não quero ser este trapo.
Quando o meu canto
contrasta com o que digo
tento conter teu espanto
transformando em abrigo
este teu homem farrapo.

Eu te amo, amor.
Estarei sempre ao teu lado
mesmo eu sendo um ser imperfeito.
E seguindo acompanhado
é mais fácil andar direito -
com você, de braços dados,
com você, dentro do peito.

Obrigado, amor.
Já sei porque te amo tanto.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Embriagado de tédio

Embriagado de tédio
vejo-te absorta nas páginas te um livro qualquer.
Posto de lado,
o remédio é estar aberto ao que der e vier.

Atrás do pecado
eu busco o assédio de te distrair.
E viro pro lado
já que de teu livro não vais desistir.

Em busca de fado
deixo o teu prédio, assim, de pijama.
E embriagado
retorno o meu corpo à tua cama.

Ainda absorto teus olhos estão neste livro qualquer.

Virei um aborto,
que nem livro roto,
aos teus olhos,
mulher.

sábado, 7 de janeiro de 2012

(mais um) Apelo ao poeta

Quero ler-te.
Escreva, poeta.
Faz da folha em branco
o corpo nu da tua musa.
Desenlace as moças do teu flanco
para que não haja escusas
na tua volta à arte predileta.

Quero ler-te
mas já não escreves mais.
O quê fazem essas tuas musas?
Será que quando incendeiam tua cama
não mais ardem em chamas as tuas ideias?

Quero ler-te
mas teu livro fechou-se a mim.
As páginas outrora ferozes
hibernam hoje entre as capas recolhidas.

Quero ler-te.
Meus olhos buscam tua caligrafia,
a tua letra, teu estilo.
Mas esse jejum já virou vacilo ...

Quero ler-te.
Escreva, poeta!