sexta-feira, 23 de março de 2018

Quem foi musa nunca perde a majestade?

Te vi e me perguntei,
será que ainda sei escrever por ti?

O que me inspiraria em quem
de tudo eu sabia e hoje não faço ideia dos caminhos?
Sozinhos perante o passado,
passo dado frente o futuro.
Presente revela que estamos em lados opostos de um muro.
Eu te vejo e estás aqui. A um toque de distância.
Mas qual a relevância desse contato?
Fato é: quem diria!, de você eu tudo sabia
e hoje não faço ideia dos meus poemas.
Perdi a mão após perder você?
Perdi você após perder a poesia?
Quem diria! Quem foi musa virou forma escusa de inspiração.

O poeta sobrevive ao não.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Há e tudo bem

Há paixonites.
E mesmo que nos irrite,
não é fantástico olhar alguém?
Desejá-la, 
e mesmo que não haja o encontro,
saber que no ato de admirá-la
há um quê de completude.

Não. O teu sorriso não me ilude.
Talvez me alimente. Mas
certamente não de expectativas.
E se aquele que cativas
é tua responsabilidade,
livro-te de qualquer culpa.
Minha vontade se conscientiza das possibilidades.

O fardo de querer-te
não ficará leve
a partir de um mero flerte.
E tudo bem.
Nem sempre se tem
quem se quer.
Mas querer-te bem
vai muito além de querer-te, mulher.

Seja apenas quem és
e seja feliz. 
Quem sabe assim
uma força motriz
nos coloque lado a lado.
Ou, num giro do mundo,
outra face me desconcerte
e me traga novo rumo,
um novo olhar para admirar,
mergulhar e me perder.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Toques em rota

Datas, fatos, sabores
Teus lábios tanto disseram
Eu ouvi grande parte
Mas teu lábios distraíam

Lados, topos, arredores
Teus lábios revelaram
Eu quis romper limites
Mas teus lábios longe estavam

Pêlos, tatos, licores
Paladar teus lábios me privaram
Eu quis sentir inteiro
Mas teus lábios se molharam

Dissimularam-se
E você com teus dedos,
Tais como condões,
Tocaram os meus
E me enfeitiçaram

Fábulas , lendas, contadores de história
Dizem dos lábios pra fora
Eu os desvirtuo
Mas teus lábios abençoam

Beijo que não quebra feitiço
Beijo que amarra o quebranto
Na língua se faz sacrifício
Na saliva, líquido santo,
Se instaura um novo mandante:
Teus lábios.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Velhos inimigos

Mais de meia noite e bateram à porta.
Não abri, Estou cansado. Com sono.
Mas o que não é feito de carne, o que nunca foi
e nem nunca será pó,
passa pelo concreto e cá está ao meu lado.

Faz tempo que eu só sorria.
Havia esquecido o que faz a tua companhia,
caríssimo.

Pronto, nublado. Pode esperar um pouco pra começar a chuva?

Obrigado.

Sempre gentil.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Fenômenos naturais

É um tempo estranho
A nuvens cobrem o céu e o sol
Se chove, arco-íris - gracejo -
Se nubla, chumbo -
despejo de luz
O vento não refresca nem muda a planta de lugar
Ele mexe as folhas mas não mexe na raiz
Se calor, sol queima a floresta
Se frio, geada estraga a colheita
O que nos resta senão a rarefeita fé?
Que chova
Que faça sol
O frio e o calor independem do tempo
Temperatura é fenômeno natural
Logo, inexplicável

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Com afeto e sinceridade para a senhorita Daza

Te vi na rua, Fermina
Rondava felina pelas calçadas
bailando entre vitrines e camelôs

Não me leve a mal, Fermina
mas não tenho talento para Juvenal
o tempo que o destino me exige
me é inafiançável

Cinquenta anos é demais para quem não tem ar no instante em que te vê.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Quantas coisas ele tem

Ele tem o desejo
E essa grande vontade
Tem também a beleza
E talvez vaidade

Ele tem a palavra
que de nada é incauta
Tem também nos olhos
a centelha que falta

Ele tem o sorriso
que te busca no fim
Ele tem tantas coisas
e também tem a mim




segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Esqueça o coração do poeta

Não encontro em mim a fluidez
Era simples, era fácil
Era recorrente
Agora há pedras impedindo a correnteza

O rio caudaloso virou lagoa tranquila
de águas inertes, de versos caducos
Navegar cauteloso é inútil

O que me falta é tempo de uso?
É musa inexistente?
Ou é mesmo a falta de talento?

Aqueça o coração do poeta, palavra.
Aqueça.



segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Leva e traz

Traga tudo o que for leve
Leve tudo o que for tralha
Traga o tempo que é fogo
Fuja do fogo de palha

domingo, 23 de agosto de 2015

Mosaico

Cada um me leva um pedaço
O pai, a mãe, o parente distante
o ladrão, o irmão, o padre, o mestre
a namorada que vira ex
o amigo que vira ninguém
Todos que passaram levaram um quê de mim

Tento revirar nos meus restos o que eles deixaram
Se é que largaram algum resquício
Mas me perco no que é meu e no que é vício alheio;
Um quebra-cabeças disfome
onde nem toda peça se encaixa

E o mundo me diz, relaxa
é assim mesmo, nada faz sentido
E eu sigo perdido
em retalhos, mal cerzido
Esbarrando em novos usurpadores
Anexando ao meu leprosário de lembraças
esse um tanto dos outros que em mim se fixa



quinta-feira, 11 de junho de 2015

Boa leitura

Garota
Leia bem esse livro
É disso que eu vivo

Palavras, frases
Orações
Não são
Clavas e traves
Que adiantam o caminho

A liberdade é literária
É poética
Tem estética
Muitas vezes
Caótica

E não é por ser lida
Que depende da ótica
Sim, há quem leia com os olhos
Mas há os que leem com os dedos
Ou com os ouvidos

E, garota, há também os que leem com um sentido mais raro
Onde o faro se apura pela lira do poeta
Sentem o texto pelo poro que mais se afeta
E direcionam a seta na reta dos apuros

O risco, garota
É que quem lê o livro
Usando mais do que os olhos
Não vê mais o mundo com as mesmas letras

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Myanmar não tem palmeiras

Há um país chamado Myanmar
E sei que nem lá me amam
Ok, o trocadilho não é dos melhores
Mas piores são os nomes a que me chamam

Um passarinho contou-me teus novos passos
E os espaços onde alcanças novos vôos
E que estão cada dia mais escassos
Os abraços que já foram de amor

E se achas que eu espero o teu retorno
Faz favor, não me faça rir assim
É estorvo esperar que aqueça o morno
Quando o fogo não degela o que há em mim

Logo, lance teu olhar a outros corpos
Eu estou trancado e protegido
Tuas juras velejam novos portos
Teu sabor não me é mais permitido

Adeus, doce lembrança meio amarga
Vou partir em busca de outro lar
Vou seguir nova rota firme e larga
Estou só de ida à Myanmar


Aos versos insones

Não me vem a inspiração
Não sei se por falta de musas
Não sei se por alto nos muros
Onde guardam os versos e as lamúrias
Não encontro como por em palavras as dores e os dias
Traduzir no verbo o que sangra a carne
É tarefa de artesão
Mas tenho me descoberto um comerciante
E a poesia não admite escambos
Noites insones
Dias insossos
E nada de novo no reino da Dinamarca
Escrever ou não escrever?
Eis a canção.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Silêncio, não me vês

Você diz que não viu,
que não sabe, que não soube,
que não tem alguém que te queira bem.
Bem, é claro que tem.
Talvez um alguém que de olhar terno
cujo amor,  também fraterno,
não traz externo os secretos desejos.
Não almejo que me percebas em plena praça;
Não calejo a alma à espera que te laça.
Permaneço quieto perante a percepção intacta
que não padece de nada para seguir ignorante.


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Na ponta dos dedos

Não sei se as tuas mãos acariciam lábios
Se calam versos
Se paralisam línguas
Se emudecem gritos
Se preparam beijos

Poderosos dedos.
Fura bolos, mata piolhos,
Indicador, anelar, polegar

(opositor).