segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Esqueça o coração do poeta

Não encontro em mim a fluidez
Era simples, era fácil
Era recorrente
Agora há pedras impedindo a correnteza

O rio caudaloso virou lagoa tranquila
de águas inertes, de versos caducos
Navegar cauteloso é inútil

O que me falta é tempo de uso?
É musa inexistente?
Ou é mesmo a falta de talento?

Aqueça o coração do poeta, palavra.
Aqueça.



segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Leva e traz

Traga tudo o que for leve
Leve tudo o que for tralha
Traga o tempo que é fogo
Fuja do fogo de palha

domingo, 23 de agosto de 2015

Mosaico

Cada um me leva um pedaço
O pai, a mãe, o parente distante
o ladrão, o irmão, o padre, o mestre
a namorada que vira ex
o amigo que vira ninguém
Todos que passaram levaram um quê de mim

Tento revirar nos meus restos o que eles deixaram
Se é que largaram algum resquício
Mas me perco no que é meu e no que é vício alheio;
Um quebra-cabeças disfome
onde nem toda peça se encaixa

E o mundo me diz, relaxa
é assim mesmo, nada faz sentido
E eu sigo perdido
em retalhos, mal cerzido
Esbarrando em novos usurpadores
Anexando ao meu leprosário de lembraças
esse um tanto dos outros que em mim se fixa



quinta-feira, 11 de junho de 2015

Boa leitura

Garota
Leia bem esse livro
É disso que eu vivo

Palavras, frases
Orações
Não são
Clavas e traves
Que adiantam o caminho

A liberdade é literária
É poética
Tem estética
Muitas vezes
Caótica

E não é por ser lida
Que depende da ótica
Sim, há quem leia com os olhos
Mas há os que leem com os dedos
Ou com os ouvidos

E, garota, há também os que leem com um sentido mais raro
Onde o faro se apura pela lira do poeta
Sentem o texto pelo poro que mais se afeta
E direcionam a seta na reta dos apuros

O risco, garota
É que quem lê o livro
Usando mais do que os olhos
Não vê mais o mundo com as mesmas letras

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Myanmar não tem palmeiras

Há um país chamado Myanmar
E sei que nem lá me amam
Ok, o trocadilho não é dos melhores
Mas piores são os nomes a que me chamam

Um passarinho contou-me teus novos passos
E os espaços onde alcanças novos vôos
E que estão cada dia mais escassos
Os abraços que já foram de amor

E se achas que eu espero o teu retorno
Faz favor, não me faça rir assim
É estorvo esperar que aqueça o morno
Quando o fogo não degela o que há em mim

Logo, lance teu olhar a outros corpos
Eu estou trancado e protegido
Tuas juras velejam novos portos
Teu sabor não me é mais permitido

Adeus, doce lembrança meio amarga
Vou partir em busca de outro lar
Vou seguir nova rota firme e larga
Estou só de ida à Myanmar


Aos versos insones

Não me vem a inspiração
Não sei se por falta de musas
Não sei se por alto nos muros
Onde guardam os versos e as lamúrias
Não encontro como por em palavras as dores e os dias
Traduzir no verbo o que sangra a carne
É tarefa de artesão
Mas tenho me descoberto um comerciante
E a poesia não admite escambos
Noites insones
Dias insossos
E nada de novo no reino da Dinamarca
Escrever ou não escrever?
Eis a canção.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Silêncio, não me vês

Você diz que não viu,
que não sabe, que não soube,
que não tem alguém que te queira bem.
Bem, é claro que tem.
Talvez um alguém que de olhar terno
cujo amor,  também fraterno,
não traz externo os secretos desejos.
Não almejo que me percebas em plena praça;
Não calejo a alma à espera que te laça.
Permaneço quieto perante a percepção intacta
que não padece de nada para seguir ignorante.


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Na ponta dos dedos

Não sei se as tuas mãos acariciam lábios
Se calam versos
Se paralisam línguas
Se emudecem gritos
Se preparam beijos

Poderosos dedos.
Fura bolos, mata piolhos,
Indicador, anelar, polegar

(opositor).




era de aquário

no fundo do aquário tem pedrinha
acima do aquário tem ar
o peixe é bobo e faz nadinha
nadando entre as algas e o falso mar

 pobre do aquário que é vidro
se cai se quebra e não há mais lar
para o pobre do peixe que é bicho
não sabe fugir da prisão onde está

quinta-feira, 26 de março de 2015

A poesia tal

Você me pediu. E cá estou.
Buscando em estantes, dentro de cadernos,
fuçando a memória, abrindo o google.
Há o poema ideal? Os versos que desenhem o teu desejo?
Essa urgência tem rima? Tem cadência?

Você não cansa. E cá estou.
Ajudando, incentivando.
E - deus! - como você não se sacia!
Quantos dias mais até perceber que, não,
não existe essa estrofe correta?

Você reclama. E cá estou.
Pacientemente companheiro.
Acusado de só ler mesmices.
Sim, é verdade.
Há Caios e Clarices. Mas nem todos vem do Olimpo.

Você desmaia. E cá estou.
Dormiu sobre a pilha de livros,
iluminada pela tela do computador.
Caracteres aos montes e nenhum traduz a tua dor.
Quanta angústia analfabeta!
Leitura tanta tal qual canção de ninar.
Os poemas errados te fizeram dormir.

Você acorda. E onde estou?
Olha em volta! Debaixo dos livros?
Dos cadernos? Do computador?
Uma folha sobre a mesa.
Leu e chorou.
Era o poema ideal. A poesia correta.
A rima perfeita. Virei letra no papel, meu amor.
Satisfeita?


segunda-feira, 2 de março de 2015

Diárias tentativas

Tento expurgar teus resquícios do meu corpo
São meus vícios. E eu os tomo.
Teu fantasmas ainda rondam meu entorno.
E rondam. E rondam. E deitam ao meu lado na cama.
E me abraçam. E rondam. E me tocam.
E eu tento tocá-los. E são pó. E são vento.

Porque você não partiu inteira? Porque deixou estas lembranças?

Tento exorcizar estes amores. Estas memórias do meu corpo.
São licores. E eu os tomo.
Teus sabores e teus perfumes de repente surgem nos cantos do quarto.
E emanam. E emanam. E sabotam.
E me encantam. E emanam. E me machucam.
E eu tento senti-los. E são nada. E são poeira.

Porque você não partiu inteira?

Tento refazer meus caminhos. Redescobrir o meu corpo
sem a tua companhia.
São manias. E eu as tomo.
Tuas pegadas permanecem na minha trilha.
E me perseguem. E eu as sigo.
E eu tento guardá-las. E são apagadas. E são terra.

Porque deixou estas lembranças?

Tento me livrar do que me lembro. Estas marcas no meu corpo.
São venenos. E eu os tomo.
Tua peçonha ainda corre no meu sangue e corrói o meu destino.
E me prendem. E me acorrentam. E eu tento.
Tento romper os grilhões. E eu tento.
E são ferros. E são erros. E são você.
E eu tento.


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

entre nós

léguas milhas quilômetros
a distância é medida com réguas e compassos
mas não com os passos que daríamos se cá estivesses
quanta terra se estende entre o teu corpo e o meu
quanta terra!


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Cântico da dor que finda

Palavras distantes da frase que pulsa
Versos dissonantes que a melodia expulsa
Ritmo inconstante da batida que é repulsa
Poeta farsante escreve cartas avulsas

O caos entre os dedos, entre os dentes
entre os olhos, entre a gente
O caos que inspira o poeta a ser retilíneo
A construir estruturas
A romper consigo

E ele rompe e constrói
E se perde em Niterói como se não soubesse as ruas
Mas ele sabe
Mas se perde ainda assim

O fim do desconhecido é uma parede chamada lembrança
E o poeta tem muitas paredes
E quanto mais foge das redes
Mais é isca, menos é mar

Poeta emparedado de anzóis
Morrer de fome na imensidão?
Alimentar-se e saciado morrer para saciar quem tem fome na terra firme?

Poeta não é peixe, não é mar, não é vara
Poeta é uma lacuna que não sei preencher com um nome
Poeta é um homem que se prepara
e dá de cara com a folha em branco.

Sobre ela se debruça
E veste a carapuça que a inspiração lhe apresenta
Finda a folha com um ponto
De pronto ele se isenta do que escreveu

Fim da poesia. Fim do adeus.