quinta-feira, 26 de março de 2015

A poesia tal

Você me pediu. E cá estou.
Buscando em estantes, dentro de cadernos,
fuçando a memória, abrindo o google.
Há o poema ideal? Os versos que desenhem o teu desejo?
Essa urgência tem rima? Tem cadência?

Você não cansa. E cá estou.
Ajudando, incentivando.
E - deus! - como você não se sacia!
Quantos dias mais até perceber que, não,
não existe essa estrofe correta?

Você reclama. E cá estou.
Pacientemente companheiro.
Acusado de só ler mesmices.
Sim, é verdade.
Há Caios e Clarices. Mas nem todos vem do Olimpo.

Você desmaia. E cá estou.
Dormiu sobre a pilha de livros,
iluminada pela tela do computador.
Caracteres aos montes e nenhum traduz a tua dor.
Quanta angústia analfabeta!
Leitura tanta tal qual canção de ninar.
Os poemas errados te fizeram dormir.

Você acorda. E onde estou?
Olha em volta! Debaixo dos livros?
Dos cadernos? Do computador?
Uma folha sobre a mesa.
Leu e chorou.
Era o poema ideal. A poesia correta.
A rima perfeita. Virei letra no papel, meu amor.
Satisfeita?


segunda-feira, 2 de março de 2015

Diárias tentativas

Tento expurgar teus resquícios do meu corpo
São meus vícios. E eu os tomo.
Teu fantasmas ainda rondam meu entorno.
E rondam. E rondam. E deitam ao meu lado na cama.
E me abraçam. E rondam. E me tocam.
E eu tento tocá-los. E são pó. E são vento.

Porque você não partiu inteira? Porque deixou estas lembranças?

Tento exorcizar estes amores. Estas memórias do meu corpo.
São licores. E eu os tomo.
Teus sabores e teus perfumes de repente surgem nos cantos do quarto.
E emanam. E emanam. E sabotam.
E me encantam. E emanam. E me machucam.
E eu tento senti-los. E são nada. E são poeira.

Porque você não partiu inteira?

Tento refazer meus caminhos. Redescobrir o meu corpo
sem a tua companhia.
São manias. E eu as tomo.
Tuas pegadas permanecem na minha trilha.
E me perseguem. E eu as sigo.
E eu tento guardá-las. E são apagadas. E são terra.

Porque deixou estas lembranças?

Tento me livrar do que me lembro. Estas marcas no meu corpo.
São venenos. E eu os tomo.
Tua peçonha ainda corre no meu sangue e corrói o meu destino.
E me prendem. E me acorrentam. E eu tento.
Tento romper os grilhões. E eu tento.
E são ferros. E são erros. E são você.
E eu tento.