Tocou o primeiro sinal.
O silêncio toma conta do local.
É hora de todos se acomodarem
pois o espetáculo já vai começar.
A cadeira de veludo recebe o espectador.
Segundo sinal.
Ouve-se o burburinho do além cortina.
A plateia inquieta.
Terceiro sinal.
O maestro ergue a batuta.
Alguns movimentos e a orquestra
faz amor com o silêncio.
A música faz amor com o silêncio.
São diversos instrumentos nesta orquestra.
Assim apuram os ouvidos dos espectadores,
nós.
O ranger dos dentes, da cama.
Os sussurros ao pé do ouvido.
Os urros abafados pelo travesseiro.
O gemido, o grito,
os músculos se contorcendo,
se enrijecendo.
A música muda de ritmo
dentro do mesmo movimento.
A orquestra infla na sua melodia.
Palavras, ordens, elogios.
Preces.
A música é sacra no seu profano.
A música é Deus,
é a revelação do divino.
A orquestra mordeu a maçã.
Mais um ritmo, novos instrumentos,
novos sons,
dentro do mesmo movimento.
A plateia assiste estarrecida.
É como se a música penetrasse as veias
dos ouvintes.
Ouvintes estes, espectadores de magnífico espetáculo.
As cores, os cheiros, a textura da orquestra e de sua música.
Outros ritmos, outros cheiros,
outros sons, outras texturas,
dentro do mesmo movimento.
2 por 2.
Será que os músicos se preocupam em tocar as notas certas?
Últimos compassos.
A música chega ao clímax e irrompe deixando saudades.
Plateia estupefata levanta
e aplaude de pé.
Os músicos ainda saboreiam a maçã.
O espectador é grato ao músico.
o músico é grato ao espectador.
O maestro já baixou a batuta.
Mas, se a plateia pede bis,
ele a levanta no ar e recomeça o espetáculo de cores,
sons, texturas e ritmos,
dentro do mesmo movimento.
Somos tão gratos aos músicos,
nós.