domingo, 29 de dezembro de 2013

Liebestraum

Ponteiro. Ponteiro. Ponteiro.
O dia passa o dia inteiro.
Nunca para de passar.

Ponteiro. Ponteiro. Ponteiro.
Eu já sei que é quase janeiro.
E eu nem vi o ano começar.

Ponteiro. Ponteiro. Ponteiro.
Qual das partes desfaz o inteiro?
Qual o todo quer fragmentar?

Ponteiro. Ponteiro. Ponteiro.
Acabou o tempo e o dinheiro.
Ouço o décimo segundo badalar.

E cadê você?
O sol nasceu, cadê?
Onde está? E de onde voltas?
Te falei, não vá na rua,
não saia às voltas com essa gente,
com essa gente, com esse cara.

Cadê você?
Oi? Não to escutando.
O sinal tá fraco.
To fraco. Não li os sinais.
Aliás, onde eu estou?
Não to achando. Não to achando.
Não, to procurando. Cadê?

Já tá chegando?
Ah, menos mal.
Então deixo a porta aberta.
Sim, está destrancada.
Ah, isso não faz mal.
Aqui a rua é tranquila.
Não tenho medo que invadam.
Tenho medo é que debandem.

Oi? Cadê você?
Já é quase meio dia.
Meio dia. Meio dia.
Já almocei. Cadê você?
Teve trânsito? Ah, acidente.
Mas sem feridos graves.
Não teria tanta certeza.

Ah, com certeza.
A porta tá aberta.
É meio dia. Não tem perigo.
Ah, tá com um amigo?
Que amigo? Há, saiu contigo.
E porque volta contigo? Ah, é teu amigo.

É essa gente. É esse cara.
Com certeza.
Oi? Tá onde? Parou pra almoçar?
Mas eu fiz comida.
Ah, tava vazia a barriga.
Eu entendo. Eu entendo.
Compreendo.
Esquenta na hora da janta.
De que adianta?
Não se pode burlar a fome.

Seja homem. Não reclame.
Passou a fome? Claro, o almoço foi ótimo.
Ah, que bom. Que bom.
Já tá chegando? Ah, que bom.
Cuidado que logo anoitece.
Sabe como é, olha o perigo.
Ah, é. Seu amigo. Que bom.
Que bom.

Cadê você? É quase o fim do dia.
É quase janeiro. Chegou maio.
Feliz natal de novo? Cadê você?
Ué, você e seu amigo? Mais que amigo?
Ué, não vi perigo. Ah, mas sem feridos?
Eu não teria tanta certeza.
Foi há pouco que começou?
Entendo. Fragmentou. Acabou.
Acabou. Acabou. Logo anoitece.
Passe bem.

Passa o dia inteiro.
Passa o tempo, o ponteiro.
Ponteiro. Ponteiro. Ponteiro.


sábado, 21 de dezembro de 2013

Pega ladrão

Fui roubado.
Os lábios por outros intocados
já não são mais apenas meus.
Sim, eu sei, os sábios
me preveniram.
Disseram que os que riram
logo aprenderiam a chorar.

Fui roubado.
E como culpar o ladrão?
Não há vítima e não há pecado.
Não sei se foi planejado,
mas perfeito foi o culpado
que antes do crime
já tinha absolvição.

Fui roubado.
Foi feita justiça,
nenhum ano de perdão.
Quando a boca não é postiça
o beijo é confissão.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Canção quase póstuma

Se você deseja que eu morra
por favor, não discorra o modus operandi.
Aperte logo o gatilho, atire um punhal,
ou me jogue na frente de um bonde.
Tanto faz, tanto fez o como,
o quando e o onde.

Se o meu corpo é teu alvo,
mire bem com a tua mira.
Na cabeça o tiro é certo,
mas não tão fatal se é na barriga.
Na perna eu caio e me quebro,
no braço eu entorto, no peito eu sangro.
Tanto faz, tanto fez a marcha,
o choro e o tango.

Mas ouça bem
essa última canção.
Só não me mate de amor
que aí eu morro do coração.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Virginal

Pobre virgem.
Não rompeu-se ao mundo,
não sangrou, não sentiu.

Pobre ilha inabitada.
Não sentiu o peso do homem,
não sofreu devastação.

Pobre corpo intocado.
Não sentiu o peso do homem,
não sangrou, não sofreu.