domingo, 27 de junho de 2010

Atos e estragos

Ah, como é difícil saber a rota de quem rotos são os passos.
Ah, parece de rato o farrapo dos teus atos.
Ah, o que precede o rito é a retidão do teu retrato.
Ah, que a tua retórica é resto debaixo do sapato.
Ah, que é mesmo ridícula a razão dos teus estragos.

Não me faça indagações

Pergunte o meu nome
Indague-me as horas
Pergunte o caminho
Mas não pergunte "por que".

Não há mais difícil indagação.
Talvez não pra quem pergunte, é verdade.
Mas pra mim que devo resposta
é quase obscenidade fazer essa tal questão.

Não percebo os motivos,
não vejo a razão.
Só que sei fui indo
sabe-se lá os motivos
se é que tenho razão.

Não sei o porquê de nada,
e acho que nem quero saber.
Já fiz decorar meu nome,
relógio não carrego no pulso.
Caminhos sigo os que sonho -
e por quê? Desta resposta eu fujo!

Pequena lucidez temporária do homem que não sabe amar

Faz-me sorrir
que meu sorriso é natimorto
Tente ao menos
antes que eu lhe dê o desgosto
Beije-me os lábios
pois há quem me dê o oposto
Dê-me as costas
antes que eu mostre o meu rosto

Acorde, mortal

São tão belos os sonhos na vida.
São belas as flores, as árvores,
os rios, os pássaros,
as moças, os rapazes,
os velhos, as crianças,
os montes, as colinas,
os mares e o céu.

Mas os sonhos só são belos quando estamos de olhos fechados.

Abra os olhos, mortal infeliz,
e verás que, dos teus sonhos,
a beleza não põe a mesa
e que a andorinha, sozinha ou em multirão,
cisca e voa sem razão.
O verão quando chega nos teus dias
é apenas mormaço e suor. Nada mais.

Abra os olhos e enxergue o que os teus sonhos o impedem de ver.
O colorido acaba. Morre.
Nem preto-e-branco são os as razões do despertar.
É o metal. Sim. O vil.

Ouça o som das canetas, das máquinas registradoras,
das moedas, do papel.
Ouça a risada dos banqueiros, estrangeiros,
trambiqueiros. Dos milionários.

Ouça a criança que bate no vidro,
o sem teto que pede um abrigo -
o ladrão pra tirar uma vida
primeiro roubou foi comida.

Ouça o corre-corre nos corredores,
a disputa no meio da calçada.
É dinheiro, dinheiro,
dinheiro, dinheiro,
dinheiro.

A força que move o mundo não é Deus,
ou outro mito vazio e disforme.
Não é o amor, ou qualquer outra mentira sem nome.
É o capital que gira o mundo mais do que a força das rotações ou translações.