O livro errara o alvo. Acertou o abajour que ele lhe dera - agora estava partido em pedaços. Era um objeto frágil. Mas não tão frágil quanto a pobre Marília. Há pouco mais de duas horas sua vida poderia ser classificada como estável, correta, e, segundo ela própria, feliz.
Marília era noiva de Eduardo. Estavam juntos há 6 anos, 11 meses e 19 dias, assim ela contava. Ela, terminando a faculdade de Serviço Social; ele, vice-presidente de uma cooperativa de vans.
Desde que noivaram, há 8 meses, que ela se via nas nuvens. Não sabia como era capaz de amá-lo cada dia mais.
Sua cunhada, Gabriela, foi quem os apresentou no aniversário de um amigo. No início eles pareciam não ter muitos assuntos em comum. Eduardo não achou isso ruim, foi o que, na verdade, fez com que ele a beijasse mais depressa, pulando a parte da "conversa sobre filmes e músicas".
A distância de interesse fez com que um tivesse mais fascínio pelo mundo do outro. E eles se tornaram um casal feliz, bem visto por todos e de futuro promissor. Só que tudo isso se ruíra. Saindo mais cedo da faculdade, Marília decidiu fazer um surpresa para Eduardo e resolveu aparecer na cooperativa. Esperava vê-lo e fazer sexo sobre a sua mesa. Ela sabia que ele adorava esse encontros adrenalíticos. Mas a surpreendida foi a pobre Marília. Ao abrir a porta da sala de Eduardo ela se deparou com algo que preferia nunca ter visto. Eduardo estava sobre Gabriela que, por sua vez, tinhas as pernas enroscadas na cintura dele. O barulho da porta e a o rosto estupefato de Marília fez com que os casal interrompesse o ato.
Marília fechou a porta e saiu correndo para a sua casa. Esperou sentada na poltrona diante sua estante de livros e esperou. Sabia que em poucos minutos Eduardo iria entrar e começar a se explicar. Ela sabia que aquela cena tinha um explicação plausível.
Uma hora e trinta e sete minutos, contados por ela, depois, ela ouviu o barulho da porta da sala. A voz de Eduardo chamava o seu nome. Ela voltou a chorar. Ele foi até a outra sala e a viu na poltrona. Ela o olhou e seus olhos imploravam que tudo não passasse de um desengano. Ele molhou os lábios, ela percebeu que ele iria falar.
- Ah, amor. Me perdoa. Foi coisa de homem ... você sabe como é.
Ela simplesmente não acreditou. Era como se uma outra pessoa estivesse falando com a voz do seu noivo, como se a imagem fosse a mesma, mas a essência de um outro alguém. Eduardo a fitou por alguns segundos e, quando ela se levantou, nunca poderia ter imaginado que Marília, cujo temperamento era igualado ao de uma brisa, pudesse emergir em tamanha fúria. Ela o xingou de nomes que ele mesmo se perguntou se já ouvira. Começou a arremessar o que estivesse ao alcance de sua mão. E gritava:
- Porquê? Porquê você fez isso comigo? E como vou contar isso ao meu irmão? - e arremessou contra ele o porta-retrato com a foto de seu aniversário de 3 anos de namoro.
Eduardo defendeu seu rosto com os braços e, mergulhado numa frieza pertubadora, caminhou até Marília e jogou-a na poltrona. Mirou os olhos bem fundos nos dela e falou:
- Se você não pode aceitar uma traiçãozinha de nada, sem sentimentos, então é mais ingênua do que pensei. Depois de tanto tempo de namoro já era pra você ter percebido que relacionamentos não são como nas novelas ou nos filmes. Me desculpe, Marília, mas eu não tenho os seus escrúpulos.
Ele deu as costas e foi andando em direção à porta. Marília pegou um livro atrás dela, na estante, e tacou em Eduardo, mas errara o alvo. Acertou em cheio o abajour que ele lhe deu quando fizeram um mês de namoro sério.
Marília errara o alvo. Caiu no chão, aos prantos - seu coração estava em padaços. Era uma mulher muito frágil. Mas não tão frágil quanto um abajour.