quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Meu querido pintor

Meu querido,
continue a tua procura
que eu sou mesmo camuflado.

Enquanto buscas minha figura
eu me escondo nos teus quadros.

Meu querido,
qual a palheta que escolheste?
Quais matizes? Quais texturas?

Quais as cores e pincéis
pintarão os teus papéis?
Como a moldura irá vestir
o modelo que se desnuda?
Qual será a assinatura
nesta tela deflorada?

Meu querido,
finalize a tua pintura
que eu sou obra inacabada.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O amor é surdo

Sinceridade é para os fortes.
E eu sou fraco.
Guarde as verdades para ti.
Não me ataque com o que não me compete saber.
Nem tudo o que é fato é prato que eu possa digerir.
Respeite minha covardia.
Só mostre-me os dias que o meu calendário suportar.
Só mande as cartas que não me façam chorar.
Prefiro nadar na superfície do que dizes
do que me afogar nas profundezas do que fazes.
Só seja sincera quando eu não puder ouvir.

sábado, 24 de setembro de 2011

Velha viagem

Hoje, já velho,
eu olho o passado
e vejo os conselhos
desgastados, amarelos,
desbotados, que um dia
os mais velhos do que eu
me deram como garantia
de que os erros seus
não seriam os meus.

Hoje, perto da partida,
eu olho a chegada de tantos
e imagino as feridas,
ouço longe os prantos
que essas pobres crianças
acabarão por chorar
vendo morrer cada esperança
que já havia morrido
com os mais velhos do que eu.

Hoje, com pouco a sonhar,
eu olho para baixo
e vejo escorrer das minhas mãos,
tão enrugadas, os velhos trapos
que restaram da roupa e do perdão.

Morrerei nu,
sem sonhos para me cobrir,
sem esperanças para fazer levantar,
sem conselhos para deixar de herança.

Morrerei nu
e só
e enrugado.
Não mais que os mais velhos do que eu.

sábado, 10 de setembro de 2011

Ada

Ada, eu te tomo num giro.
O último suspiro ficou pra depois.
Ada, não se prenda aos lírios.
A última lágrima se despede dos teus cílios.

Ada, enfim as amarras vão se partir.
O início de um horizonte à sombra da nova terra.
Ada, a mim tu te agarras, mas é finda a guerra.
Espera que iremos sorrir.

Ada, minha pequena,
meu doce austríaco, minha salada alemã.
Teus traços típicos se adequarão aos trópicos.

Ada, não sê obscena,
mas é afrodisíaco o sabor da maçã.
Teu canto lírico se tornará exótico.

Ada, futura morena,
o teu novo zodíaco é estrela xamã.
Será onírico o céu utópico?

Ada, eu caio em silêncio,
eu paro e eu penso
e descubro que não sei.

Ada, este destino imposto.
Ele é de teu gosto?
Eu nem te perguntei.