terça-feira, 14 de julho de 2009

Com ou sem açúcar?

Virou-se pra mim e disse:
- Quer com açúcar, amor?

Já não podia mais dizer que éramos felizes. Pelo menos eu não era - ou não sou (?).

Lá se vão 27 anos de casamento. O amor virou um bom dia na hora do café. A paixão virou a obrigação marital. Nossos beijos perderam a beleza e hoje recebem o mesmo lustra-móveis que a mesa de centro da nossa sala idealizada. Como conseguimos nos tornar dois seres que convivem - só convivem? Como viramos isso? Como deixamos de ser aquilo?

O tango que doutrora dançamos virou um bolero arrastado.
Os passeios viraram exposição pública.
O casamento se revelou instituição.

Virou-se pra mim e disse:
-Amor! Vai querer com açúcar ou não?

Não sei se foram os anos juntos... A aproximação excessiva...
O contato diário fez-me perceber-te comum. Fez-me perceber-me ordinário.

Virou-se pra mim e disse:
- Daqui a pouco eu termino o café e você ainda não disse se quer açúcar ou não.

Fiz que sim com a cabeça.

O que viramos? Procuro tantas respostas. Será que elas não existem? Ou estariam aí as respostas, e nossas perguntas é que estão mal feitas?
Desde que nos casamos viríamos a descobrir muitas coisas. A aprender muitas coisas juntos.
Viramos mais companheiros, mais compreensivos. Em 10 anos de casamento éramos mais maduros, viramos mais amigos. Aos 20 anos tivemos um affair com a nostalgia e rememoramos nossa paixão adolescente. O fogo perdido voltou e viramos namorados, como antigamente.

Virou-se pra mim e disse:
- Quanto de açúcar, amor?

Enfim, virei e disse:
- O de sempre, querida. O de sempre.


Ella Fitzgerald - Miss Otis Regrets (Cole Porter)