terça-feira, 27 de abril de 2010

La vie en gris

Meus lábios não são mais vermelhos.
Meus olhos não são cor de mel.
Minha pele não é mais morena.
Meu sorriso, nem amarelo é mais.
Minha vida é cinza, querida,
não tem graça, não tem cor.
Sem ser preto ou branco,
insosso cinza parede.

Mais cedo ou mais tarde

Mais cedo ou mais tarde chegará a sua vez.
Chegará a minha e será de uma só vez.
Mais cedo ou mais tarde o gato e a galinha,
a laranjeira e a vovozinha.
Mais cedo ou mais tarde seus sonhos
e os meus pesadelos,
sua força e os meus cabelos,
tudo se findará.
A terra gira e a cada virada caem milhões.
Um dia seremos nós.
Mais cedo ou mais tarde chegaremos ao fim:
câncer, velhice, acidente de moto,
tiro na testa, veneno de rato,
não importa como, a morte nos encontrará.
Nós a encontraremos.
Encontro marcado ou visita inesperada.
Mais cedo ou mais tarde
chegaremos ao fim.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Minha nega não me nega

Quando subo a favela
é ela que está na janela.
Panela no fogo,
cheirinho de feijão,
perfume de alvejante,
é minha nega no portão.

Um beijo contido
pro povo não falar.
Eu entro corrido
pra poder descansar.
Sentado eu digo:
o que fez tu, mulher?
E ela responde:
esperei o meu nego
que veio da rua
dizer o que quer.

Mulher como a minha nega
não se encontra mais.
Pode procurar, fazer propaganda,
estampar nos jornais.
Mulher, como a minha nega,
que lava, cozinha
e de noite chamega,
é ela e não tem outra,
é a minha nega que não largo jamais.

E ela canta e sorri
quando eu subo a favela.
É ela que faz de mim um homem feliz.
É ela que não me nega
não importa as vezes que o galo cantar.
Eu, o seu nego,
só dela e de mais ninguém.
Sou o nego dela
e não nego o amor que essa nega me tem.

domingo, 18 de abril de 2010

A porta (?)

Qual a porta?
Pra onde leva a porta?
Ao quarto ao penhasco?
À cama?
Que cama?
Ao leito irei,
mas para que sono?
Frustrado? Eterno?
Em tempo?
Mas que tempo?
Não há mais tempo -
ouço a batida na porta.
Batem? Batem ...
Mas em que porta?

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sue Sylvester - a Diva!

Madonna ou Sue?

Veja Jane Lynch (indicada ao Globo de Ouro 2010 de Melhor Atriz Coadjuvante em Série, Minissérie ou Filme para TV) no papel de Sue Sylvester. É a primeira música da personagem na série. Este clip passou no final do episódio 14 (Hell-O), exibido nesta terça, dia 13 de abril, nos EUA, como um promo para o próximo episódio entitulado de "The Power of Madonna".

Sue Sylvester dance on air / William Schuester I hate you

Veja aqui o original com Madonna.

Sala de Espera

Cheguei mais cedo do que devia. São nove horas da manhã e minha consulta é só às dez e vinte. Pois bem. O que me custa esperar, não?
Não posso esquecer de contar tudo ao doutor. A dor que me acomete toda noite. Durmo sofrendo. Acordo no meio da madrugada, aos prantos - tive um pesadelo. Não durmo mais. Desabo. Me levanto quase meio-dia, e a manhã já se foi. Como qualquer coisa, doutor, nem sei o que ponho pra dentro. À tarde, trabalho um pouco, dou um jeitinho na casa e logo sinto as dores. Sofrendo, doutor. A dor me passa pelo corpo todo. Sento na poltrona, ligo o rádio e música me toca. Profundo. As lembranças, ai, doutor, me dói tanto. Agora é a cabeça. Tudo gira e se levanto não mexo as pernas. Sento novamente, desligo o rádio e os braços reclamam. Carregam tanto fardo, doutor. Esses braços não param. Carregam, levantam, puxam, empurram. Só não me seguram. Vou até a cozinha, fazer um café, beber uma água gelada, ai, doutor, me dói a garganta. Já nem choro mais - economizo uma dor. Preparo uma jantinha, coisa rápida, doutor. Tomo banho e água quente me faz tremer. Banho gelado, também. Me dói ficar limpo. Vou pra cama, sabe, doutor, e o sono não vem. Acaba a novela e me dói saber que mais um dia foi embora.
Quinze para as dez. Que demora. Não posso esquecer de contar tudo ao doutor. Das dores nas juntas. Contar ao doutor que enxergo mal - já nem me percebo mais quando passo em frente ao espelho. Me dói o ouvido esquerdo. O direito também. Está difícil ouvir minha própria voz, doutor. Quase dez horas. Vou recordando aqui antes da consulta. Assim não me esqueço.
A atendente chamou o meu nome. Obrigado menina, posso entrar? Pode. Bom dia, doutor. Novidade? Nenhuma. É o mesmo de sempre. Apenas uma dorzinha, boba, que dá quando eu vejo que não posso mais voltar atrás. O tempo passa, doutor. E isso dói. Tem cura? Tem remédio, doutor? Você pode esperar. O tempo passa, mas é você quem escolhe pra onde passa com o tempo. Eu sei, doutor. Mas, escolher não é fácil. Não se pode esperar para sempre. Em algum momento você terá que escolher. Eu sei, doutor. Mas dá uma olhadinha nessa dor nas minhas costas primeiro, sim?

quinta-feira, 8 de abril de 2010

José, para onde?



Fugi.
Não quero enfrentar.
Quero sumir;
para então me encontrar.
Será?
Será que me encontro?
Ou este é mais um conto-fantasia
fingindo que noite é dia
para sol no céu haver?

Fingir;
outra forma de fuga.
Não se sabe para onde ruma,
e, no chão, o pé que pisa
nem mesmo realiza
que são de areia movediça
as tábuas sob este solado.

Fugir
das fugas e das mentiras.
Mas verdades são sofridas
e elas não quero ver.

Crescer,
para parar de fugir.
Crescer,
para parar de fingir.
Crescer?
Eu quero sumir.

Toma tino, criança.
Tenha esperança, menino.
Veja o caminho à frente
e siga.
Não fuja mais do sofrimento.
Não vês? - sofres mais no fingimento,
e com ele faz sofrer.

Não vês?
Fingindo, vais mais longe de si mesmo.

Siga,
mas de olhos bem abertos.
Sem fingir, fugir,
sem planos de sumir.
Vá que o caminho é certo.
Mas o que há nele
não posso prever.

Incertos somos todos,
vá certo disto.
Dúvidas são como o resto,
sinta. Mas não se deixe levar.
Vá em verdade,
melhor caminho, não há.

Tempestade

Cai a chuva
e logo é temporal.
Não tivemos tempo;
molharam as roupas do varal.

Tempestade, tempestade,
com seus raios e trovões,
faz de mim, um céu escuro,
luz e fogo com os teus clarões.

As gotas - tão pesadas -
caem como bombas.
Mísseis planejados?
Não sei.
Minha pólis devastada
já não posso responder.
Meu chão não tem fronteira
pra reter o temporal.

Alaga minhas vias,
faz correr nas minhas ruas
o mar de sofridão.
Lágrimas caídas dos olhos de lua,
maré sobre faces,
desaguou coração.

A chuva parou.
Logo secarão as roupas do varal.
Mas não secará a dor encharcada
de sangue e de lágrimas
que a tempestade trouxe ao meu céu escuridão.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Noites afora

Quando chego em casa, de madrugada, abro a porta e as lágrimas caem. Parece que passo por um portal que me leva de uma dimensão à outra. Não sei dizer se é melhor a rua. Mas minha morada me prende e me liberta. Meu corpo é minha própria jaula e meu único bem. Minha chave e fechadura. Mas para que lado gira a chave para abrir a porta?
Nos meus cômodos inquietos, o chão molhado de angústias, vejo vestígios do que passou por ali: cacos de uma fotografia distorcida pelas olhos marejados; sons distorcidos pela voz embargada. Esses destroços espalhados pelo chão são o espelho de minha morada. Estou em pedaços. E se tento reuni-los percebo que não é tarefa equivalente ao jogo de quebra-cabeças. Minhas peças são disformes e não se encaixam. Não sei já se encaixaram ou se ainda se encaixarão (talvez nem dentro do caixão).
Inteiras são as minhas dúvidas, por isso vago noite adentro. E quanto volto para casa, percebo que permaneço na rua, ou melhor, me perdi num beco sem saída. É nas noites adentro que tento entender o se passa dentro de mim. É nas noites afora que me perco mais e volto para fora de onde nunca pisei.

Hoje eu

Hoje vi as cores do arco-íris
e olhei para a minha pálida tez.
Hoje ouvi os pássaros cantando
e escutei o meu silêncio abstêmio.
Hoje senti o cheiro das rosas
e inalei minha falta de odor.
Hoje bebi da água da chuva
e lambi a lágrima que chegou à minha boca.
Hoje queimou-me o sol do meio-dia
e gelou-me o frio da espinha.
Hoje mais um dia foi vivido
e com certeza não foi por mim.

Queria lhe contar tantas coisas

Queria lhe contar tantas coisas.
Mas o tempo não o há.
Não que me falte; o tempo.
Mas o tempo das coisas que quero lhe contar
ainda não ocorreu.
Esse tempo esperado, ainda não tive.
Nada posso contar-lhe.
Tenho pressa para certas coisas,
mas em pressa as coisas não saem certas.
Falta-me tempo para as certezas,
sobra-me tempo para a espera.
Queria lhe contar tantas coisas.
Mas agora o nosso tempo acabou.

Unos plurais

Unidade pluralizada;
pluralidade una.

Nós está;
a gente estamos.

Erros da língua portuguesa que nos fazem um.