terça-feira, 27 de julho de 2010

Religare

Como num sacrifício,
ofereces o teu corpo às minhas vontades.
Mas teu sacrifício não é dor ou saudade.
É com coragem e mel que entregas
teu corpo ao meu.

Delicio-me com as tuas proezas,
encanto-me com as tuas acrobacias,
misturo-me nas tuas destrezas,
prendo-me nas tuas fantasias.

Teu Deus, tão fuleiro,
não chega nem a um Mágico de Oz.
Mas os meus poderes, nem tão verdadeiros,
funcionam quando é hora de fundir-nos em um.

E desato-me do meu templo,
e contemplo a tua pele.
E reato com o teu segredo
numa nova comunhão.

Converto-me enfim à tua religião
para adorar o que tens, Superior.
Sou devoto das tuas santas orações,
e sacrifico o meu céu pelo teu amor.

Sabotagem

Não precisas de inimigos outros.
Teu nêmesis é o teu reflexo,
é a tua sombra, é o teu ser.
Ofereces a ti mesmo as armadilhas,
e cais. És pego como um tolo.
Mas tolo não és.
Ou melhor, talvez tolo sejas ...
Mas inocente, não.
Ah, como és consciente das arapucas
que preparas para ti mesmo!
E como é cômico, e como é trágico,
vê-lo cair na cova que preparaste.
E como numa divisão (ou multiplicação) de corpos -
és tu deitado, caído, derrotado -
é teu o corpo na cova e és tu,
com a pá, jogando terra sobre o caixão.
Fazes o teu início majestoso,
os meandros confusos e quebradiços
e terminas com tudo, com o sopro
da tua boca malcriada.
Cuidado contigo mesmo.
Não olhe para os lados ou para trás.
Olhe para dentro e enfrente o teu próprio algoz: Tu.