sexta-feira, 2 de abril de 2010

Noites afora

Quando chego em casa, de madrugada, abro a porta e as lágrimas caem. Parece que passo por um portal que me leva de uma dimensão à outra. Não sei dizer se é melhor a rua. Mas minha morada me prende e me liberta. Meu corpo é minha própria jaula e meu único bem. Minha chave e fechadura. Mas para que lado gira a chave para abrir a porta?
Nos meus cômodos inquietos, o chão molhado de angústias, vejo vestígios do que passou por ali: cacos de uma fotografia distorcida pelas olhos marejados; sons distorcidos pela voz embargada. Esses destroços espalhados pelo chão são o espelho de minha morada. Estou em pedaços. E se tento reuni-los percebo que não é tarefa equivalente ao jogo de quebra-cabeças. Minhas peças são disformes e não se encaixam. Não sei já se encaixaram ou se ainda se encaixarão (talvez nem dentro do caixão).
Inteiras são as minhas dúvidas, por isso vago noite adentro. E quanto volto para casa, percebo que permaneço na rua, ou melhor, me perdi num beco sem saída. É nas noites adentro que tento entender o se passa dentro de mim. É nas noites afora que me perco mais e volto para fora de onde nunca pisei.

Hoje eu

Hoje vi as cores do arco-íris
e olhei para a minha pálida tez.
Hoje ouvi os pássaros cantando
e escutei o meu silêncio abstêmio.
Hoje senti o cheiro das rosas
e inalei minha falta de odor.
Hoje bebi da água da chuva
e lambi a lágrima que chegou à minha boca.
Hoje queimou-me o sol do meio-dia
e gelou-me o frio da espinha.
Hoje mais um dia foi vivido
e com certeza não foi por mim.

Queria lhe contar tantas coisas

Queria lhe contar tantas coisas.
Mas o tempo não o há.
Não que me falte; o tempo.
Mas o tempo das coisas que quero lhe contar
ainda não ocorreu.
Esse tempo esperado, ainda não tive.
Nada posso contar-lhe.
Tenho pressa para certas coisas,
mas em pressa as coisas não saem certas.
Falta-me tempo para as certezas,
sobra-me tempo para a espera.
Queria lhe contar tantas coisas.
Mas agora o nosso tempo acabou.

Unos plurais

Unidade pluralizada;
pluralidade una.

Nós está;
a gente estamos.

Erros da língua portuguesa que nos fazem um.