terça-feira, 29 de junho de 2010

A Bela Adormecida

Durma, princesa enfeitiçada.
Durma, enquanto domo teus entornos.
É duro o caminho à tua torre.
Tem floresta de cactos com seus espinhos afiados,
tem dragão, tem armadilha.
Alcanço, enfim, o teu portão
e subo a sem fim escadaria.
Lá estás, deitada, adormecida.
Tão bela!
E me aproximo e te dispo dos véus
e dos lençóis.
Acaricio a tua face
e beijo os teus lábios virgens.
Acordas pelo estupro da minha língua.
E pelo castigo da maldição, és destinada
a amar o teu salvador.
Sou teu príncipe encantado,
teu primeiro beijo,
teu último.
Acordas da prisão do sono
para viver com um único homem.
Jamais conhecerás a vida com os próprios pés.
Princesa adormecida,
tão bela, tão tola -
jamais acordarás.
Quando picaste o dedo na roca
forjaste em pedra o teu final.
É ser eternamente morta,
adormecida ou não.
Eternamente bela,
mas sem jamais conhecer a verdadeira
beleza da vida:
a liberdade.

domingo, 27 de junho de 2010

Atos e estragos

Ah, como é difícil saber a rota de quem rotos são os passos.
Ah, parece de rato o farrapo dos teus atos.
Ah, o que precede o rito é a retidão do teu retrato.
Ah, que a tua retórica é resto debaixo do sapato.
Ah, que é mesmo ridícula a razão dos teus estragos.

Não me faça indagações

Pergunte o meu nome
Indague-me as horas
Pergunte o caminho
Mas não pergunte "por que".

Não há mais difícil indagação.
Talvez não pra quem pergunte, é verdade.
Mas pra mim que devo resposta
é quase obscenidade fazer essa tal questão.

Não percebo os motivos,
não vejo a razão.
Só que sei fui indo
sabe-se lá os motivos
se é que tenho razão.

Não sei o porquê de nada,
e acho que nem quero saber.
Já fiz decorar meu nome,
relógio não carrego no pulso.
Caminhos sigo os que sonho -
e por quê? Desta resposta eu fujo!

Pequena lucidez temporária do homem que não sabe amar

Faz-me sorrir
que meu sorriso é natimorto
Tente ao menos
antes que eu lhe dê o desgosto
Beije-me os lábios
pois há quem me dê o oposto
Dê-me as costas
antes que eu mostre o meu rosto

Acorde, mortal

São tão belos os sonhos na vida.
São belas as flores, as árvores,
os rios, os pássaros,
as moças, os rapazes,
os velhos, as crianças,
os montes, as colinas,
os mares e o céu.

Mas os sonhos só são belos quando estamos de olhos fechados.

Abra os olhos, mortal infeliz,
e verás que, dos teus sonhos,
a beleza não põe a mesa
e que a andorinha, sozinha ou em multirão,
cisca e voa sem razão.
O verão quando chega nos teus dias
é apenas mormaço e suor. Nada mais.

Abra os olhos e enxergue o que os teus sonhos o impedem de ver.
O colorido acaba. Morre.
Nem preto-e-branco são os as razões do despertar.
É o metal. Sim. O vil.

Ouça o som das canetas, das máquinas registradoras,
das moedas, do papel.
Ouça a risada dos banqueiros, estrangeiros,
trambiqueiros. Dos milionários.

Ouça a criança que bate no vidro,
o sem teto que pede um abrigo -
o ladrão pra tirar uma vida
primeiro roubou foi comida.

Ouça o corre-corre nos corredores,
a disputa no meio da calçada.
É dinheiro, dinheiro,
dinheiro, dinheiro,
dinheiro.

A força que move o mundo não é Deus,
ou outro mito vazio e disforme.
Não é o amor, ou qualquer outra mentira sem nome.
É o capital que gira o mundo mais do que a força das rotações ou translações.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Adeus, jamais. Até a próxima página, Saramago.

Espaço curvo e finito

Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças e ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe, um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.


São com versos de José Saramago que inicio esta despedida que não é adeus, mas sim uma contemplação. Saramago é eterno pois um artista não morre. Saramago será sempre inédito, como foi para mim quando li Ensaio sobre a Cegueira. Fui tomado por aquelas palavras, por aquela história tão profunda, tão beça, tão tenebrosa.

Espero que este homem tão exemplar na sua arte e na sua vida esteja sempre tocando os olhos e a alma de novos leitores. Saramago, te vejo num próximo livro, numa próxima página. Tuas palavras serão sempre inéditas, tuas intenções sempre misteriosas, teus leitores sempre fiéis. E menos cegos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O novo filho de Netuno

Contemplo o vento a areia e o mar.
A imensidão das águas ilude um infinito.
É tanto e é tanto e é tanto.
E é tão bonito e é um encanto,
e é um espanto o peso do mar.

E me pesa a minha finitude,
tão seca, tão pequena.
E triste me vi
quando descobri que deságuo num mar
que tento e que tento e que tento
mas é só lágrima e só tormento.

É tempestade e revolta.
São ondas sem direção,
batendo e batendo e batendo
nas pedras que deveriam fazer proteção,
mas e quem protege as pedras.
Pobres pedras, grãos de areia virarão.

Estendo um pano e me alimento;
e bebo para estar líquido como o mar.
Acabo quebrando a taça
e é tinto e é tinto e é tinto;
é o meu sangue ou o do Salvador?
Não ando sobre as águas
e nem caminho sobre a minha dor.
Meus milagres são os dias
em que acordo e tenho um amor,
minha salvação são as sementes
que não salgam e viram flor.
Meu Deus está afogado
não há quem seja o meu Senhor.

Sem fé, me debruço às águas,
bebo, borbulho e me banho.
E é no oceano sem tamanho
que descubro a minha grandeza.
Mesmo que na morte não haja beleza
há luz no descobrimento.
Me nutro do mar e mergulho um ser.
Emerjo outro alguém que 'inda irei conhecer.

Com um paradoxo nas mãos

Quero minha alma Caymmi.
Quero meus bolsos Caimãs.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Olhos retrospectivos de um futuro amanhã

I - Dizem por aí

Viver é estar.
Saber é sentir.
Morrer é passar.
Chegar é sair.

Certeza é ofegar.
Partir é doer.
Aprender é chorar.
Acertar é querer.

Chorar é quebrar.
Sorrir é vencer.
Perder é tentar.
Tentar para quê?


II - O certo e o errado

Num certo momento
tive certas duas portas
as quais certas pessoas
indicaram um certo caminho.

Outras certas pessoas
indicaram outro certo caminho.
Mas tenho certas fraquezas
para escolher um certo destino.

Adentrei uma certa porta
buscando um certo destino.
Mas certos destinos não servem
quando são para um certo menino.

E desta certa porta que entrou
saiu um certo mesmo menino.
E foi em busca da outra certa porta
que escolheu certa vez sozinho.

E em certo momento pensou:
escolhi certo escolhendo sozinho?
E desta vez certo de si falou:
não importa a porta que entre
pois mesmo errados os passos à frente,
certos são os que vão seguindo. E
quando o caminho é seu, certo é
aquele que parte para perto do menino.


III - Crescer

Ai, sou menino.
Cresço.
Ai, sou rapaz.
Pereço.
Ai, que homem não sou.
Ai, que nem homem pareço.

Ai, sou menino.
E tento.
Ai, sou rapaz.
Me arrebento.
Ai, que homem não sou.
Ai, que nem homem intento.

Ai, sou menino.
Ai, sou rapaz.
Ai, isso não posso mais.
Ai, crescer faz doer.
Ai, homem para nascer deve romper a casca,
deve por cara a tapa,
deve sofrer e atingir.
Homem nascendo, crescendo.
E um homem não fingindo,
nem fugindo dos trabalhos e comandos.
Ai, que de menino fui para rapaz.
Ai, de rapaz, em homem forjando.


IV - As mãos de um homem

As mãos do homem estão sujas
do sangue de suas veias,
do leite de sua mãe,
do suor do seu pai,
dos fluidos da sua mulher.

As mãos do homem carregam
o peso de ser quem é,
o peso de buscar quem é,
o peso de saber o quê,
o peso de estar aquém.

As mãos do homem indicam
o caminho de onde veio,
o caminho que não se vai,
o caminho que traz receio
o caminho que tanto anseio
e o caminho que leva além.


V - O homem e a porta

Antes de passar a porta era menino.
Sentou e aprendeu que ali não era eu.
Na mesma porta falou, se ouviu
a mulher o espelhou e assim decidiu.
E fez então que a porta por onde entrou
não era a mesma por onde saiu.

Não. Se enganou o rapaz.
A porta jazia a mesma.
Mas aquele que partiu voltou atroz.
Já não era o mesmo,
nem um mesmo de nós.
O rapaz num contorno
fez um homem novo.

E o homem que saiu da porta
escolheu um novo caminho.
O velho redemoinho que habitava o seu coração.
Passou a chave na porta
e dessa vez sem devolução.


VI - Este é o maior erro da sua vida

Quando caiu no vento a notícia das escolhas
o homem sentiu frio na espinha.
Ele sabia das palavras que ouviria
e por isso demorou a decidir-se.

Mas agora que a escolha estava feita
não havia desfeito no feitiço.
E foi então que deu o rebuliço
como uma festa de tantos Mas porque isso?
e Que escolha imbecil!

Mas como homem ouviu e respirou
e com a armadura da sua verdade se revestiu.
Sentiu, pensou e falou da portas e caminhos que passou;
do tempo e crescimento que fundiu
num novo homem, velho sonhador.

E tentaram fazer-lhe ver erros nas certezas que o faziam chorar.
E ele viu fogo nas centelhas que o fizeram gelar.
E ele seguiu firme no destino que quis para si.


VII - Final?

E agora se segue.
Se persiste e se cai.
Se aprende na lama,
se guarda no sol.
E atende ao chamado
e escapa do anzol.

Se esconde da chuva,
se molha de amor.
E retira as agulhas
e limpa o bolor.
Se retira do escuro
para sair no amanhã.

E não pára na esquina.
E contempla o cetim.
Perde tempo nas carícias,
corre nos restos do jardim.
Sofre e recobra os sentidos,
não aposta no bem ou no mal.
Escreve tua vida aos inícios
recolore os teus versos finais.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Meu refúgio em você

Busco refúgio nos seus cabelos.
São tão macios, são tão cheirosos.
São subterfúgios para as minhas fraquezas,
e ainda me agarro em tuas tranças.

São essas lembranças caídas no seus ombros
que fazem de mim cativo e presente.
E que faz latente a minha esperança
de sair vivo dos meus escombros.

Sob as tuas madeixas me permito um sorriso,
sob os teus cabelos me vejo seguro.
E se deixas que eu vá mais além dos teus pêlos
eu largo os segredos e a verdade eu te juro.

Se me esqueces sozinho em uma noite de breu,
serei fraco na busca daquele que é eu.

Não me largue sozinho em casa ou na rua,
não corte os cabelos em qualquer fase da lua,
não desfaça os laços entre mim e teus pêlos,
não fique parada na frente do espelho.

Me permita ficar em ti para sempre,
não me tires jamais da segurança que és.
Se me perco dos cabelos que carregas fiel
cairei, derrotado, sem força, em teus pés.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Teus olhos, mulher

Como me decifras, mulher!
Não precisas andar comigo para saber por onde dei meus passos;
e por onde nem mesmo passo sabes que nunca fui.
Sou tão previsível assim?
Diria que sim, mas só para quem carrega olhos como os seus.

Como me decifras, mulher?
E como me explica de maneira tão real?
Viste até o que nego. Viste o que renego. E o que torno a negar.
Viste nas minhas afirmações as nuances das firmes ações
e das flácidas fantasias.

Pena que sou eu minha própria esfinge.
E quando me pergunto, não me decifro.
Acabo engolido pela minha fome de despedaçar-me.
E dilacerado, mulher, não precisas decifrar-me.
Conte-me mulher. Conte os meus pedaços.
Conte-me mulher, decifra e faça laços com minhas tripas e sensações.
Remonte-me um novo alguém.
Indecifrável, menos aos olhos teus.

Toque a verdade

Se a verdade fosse um instrumento, qual seria o seu som?

Fruta verde

Uma semente cai na terra por motivos mil.
Algumas viram alimento. Outras secam.
Outras brotam.
E, fazendo-se o broto, começa ali uma aposta com o tempo.
Alguns brotos vingam, outros não.
Podem ser pisados, arrancados, esquecidos.
Os que vingam vão crescendo, e nessa sucessão de acasos
viram árvores. E floreiam. E dão frutos.
Pequenos big-bangs de vida.
Vão crescendo, e verdes esperam madurar.
Porém, eis a história da fruta que não madurou. A fruta que permaneceu verde.
Insossa, ruim,
intragável fruta verde.
Não dá pra comer. Dessa fruta, quando verde, nem doce se faz.
Coitada ... Imatura ...
Ih, olha ali uma bem madura!

Tadinha da fruta verde. Morreu esquecida.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Qual a tua tribo?

Num dia ela estava aqui,
no outro ela estava lá.
Num dia tupiniquim,
no outro tupinambá.