quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Pensas que me engana?

Pensas que me engana?
Sei que quando és solícita
queres mesmo é estar implícita
nos meus passos e projetos.

Pensas que me engana?
Sei que, mesmo nunca explícita,
tuas ações são ilícitas -
reflexo dos teus olhos irrequietos.

Pensas que me engana?
Sei o quanto te excita
saber o que se agita
debaixo do meu teto.

Pensas que me engana?
Sei o tanto que te irrita
tudo aquilo que limita
conhecer o meu secreto.

Pensas que me engana?
Sei bem, embora omitas,
o endereço da guarita
d'onde vigias meu trajeto.

Pensas que me engana?
Pois saiba que é restrita
cada verso que habitas
dentro dos meus sonetos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Alheia aos meus problemas

Desculpe atrapalhar.
Chegar e já incomodar.
Eu sei que és alheia
ao que te rodeia
e não é tu.

Mas nem tudo é azul
fora do teu mundo cor-de-rosa.

E vou alongando a prosa
ciente de que estás impaciente.
E tenho medo, pois tenho amizade
mas se me tens - eu sou descrente.

Trazer sua atenção
é difícil se não lhe traz diversão.
Pena que não aprecias o sadismo.
Meus problemas lhe trariam riso.

Desculpa atrapalhar.
Mas é que eu preciso de ti -
mesmo você com seus esquemas.
Eu preciso de ti -
mesmo distante dos meus dilemas.
Eu preciso de ti -
mesmo que esboçada nos meus poemas.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

À digníssima guardiã das chaves

Coitada da dona da porta.
Acha que porque possui as paredes
é dona dos limites.

Coitada da dona da chave.
Sonhou destrancar o segredo,
mas o desejo atropela obstáculos.

Coitada da dona da casa.
Tentou ser autoridade
com animas anarquistas.

Coitada. Ela é dona de coisas.

domingo, 21 de agosto de 2011

Indigna

Não te mandarei flores,
nem te comprarei chocolates
ou te farei um jantar.

Não te mandarei cartas,
nem te farei sonetos
ou te jurarei no altar.

Não te darei jóias,
nem te levarei em viagens
ou te convidarei pra dançar.

Não te possuirei em silêncio,
nem te domarei aos sussurros
ou te ater, ou dominar.

Não és digna de meu esforço.
Mas nem espere de mim o desprezo.
Teu lugar em mim nem chega a esboço;
das tuas armadilhas eu saio ileso.

Poeta e puro é o depravado no escuro

é engraçado vê-lo vulgar,
te ouvir xingar no telefone ...
vc parece estar além disso.
como se possuísse algum tipo de pureza,
por ser poeta.

mas logo vejo que você não presta.
de pureza nada tens;
depravado é o que tu és.
usas poesia como charme
para mulheres teres aos pés.

Luz, câmera, sertão

Fui fazer uma viagem,
lá pra bandas do nordeste.
Participar de uma filmagem:
"Um iânqui cabra da peste".

Depois de desembarcar,
fui parar no Cariri.
E o diretor já questionou:
"Are you from daqui?".

Eu disse que não, meu senhor,
sou do Rio de Janeiro.
Mas no meio do sertão,
carioca é estrangeiro.

Faltou água, faltou luz;
só não faltou calor.
A produção faliu, 'cabou.
Nem buscaram o diretor.

E o cara dos state
no início até chiou.
Mas não deu dez minutos,
logo se apaixonou ...

Mister William Goldenstein,
foi namorar Mariazinha,
filha de um pobre capataz,
e irmã do Zé Sardinha.

O pior é que deram certo,
e Mariazinha foi ouvindo.
E de tanto escutar,
quis gritar o seu destino.

Largou pai, largou irmão,
e largou o marido gringo.
Trabalhou, juntou milão,
e disse: Tchau, que já vou indo.

Ela fez as suas malas,
juntou trapo e dicionário.
Depois de aprender inglês
foi treinar o vocabulário.

E quem diria que Mariazinha,
filha de Joana dos açúdes,
ia pegar avião
e chegar em Hollywood.

Conheceu uns produtores
e vendeu o seu roteiro.
Convenceu os domadores
a investir um bom dinheiro.

E 'zinha mudou de nome,
pra melhor se aproximar
do sotaque lá dos home,
Jane Lee passou chamar.

Fez o filme e no elenco
só tinha artista bom.
Só estrela de calibre
pra chamar a atenção.

E o filme estreou
e fez o maior sucesso.
Jane Lee barbarizou
e sua obra fez progresso.

Ganhou prêmio e fez fortuna.
E ficou reconhecida.
Sua mesa ficou farta,
esqueceu da outra vida.

Mas o ouro na estante
não reluz no coração.
E Jane Lee quis ser Maria
e voltar para o sertão.

Quando anunciou a partida
os estúdios emburraram.
Reclamara da saída e diziam
que os contratos não deixavam.

Mas 'zinha nem ligou
e pegou o seu avião.
Mas a vida traz surpresas;
às vezes boas; ás vezes, não.

O avião explodiu no ar,
caiu no mar, matou Maria.
Fez o mundo do cinema chorar
e L.A. decretou luto de um dia.

Os produtores (após enxugar as lágrimas)
fizeram roteiro da vida dela.
Pobre Maria, nem o corpo acharam no mar,
já estava incorporada por outra nas telas.

O filme ficou pronto e era o dia da première.
Com os ingressos todos vendidos
para o filme da tal mulher.

Estavam todos bem vestidos
e tudo se apagou.
O nordeste foi escolhido
como palco deste show.

O projetor iluminou
a grande alvura do telão.
E devolveu, por uma noite,
Mariazinha pro Sertão.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

(des)Hidratação involuntária

Boa noite, lágrimas.
Faz tempo que não vens ...
Toca a minha face, lágrima.
Mas não afoga ainda mais o meu coração.

Cubra-me, lágrimas.
Risca a minha bochecha
e marca o caminho molhado da dor.

Chegam aos meus lábios.
Lástima serem as lágrimas
e não o teu beijo.

Boa noite, lágrimas.
Faz tempo que não choro assim.
Toca a minha face, lágrima.
Mas não estilhaça o que sobrou de mim.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Pequenos amantes

Minha petite pequena
Sou teu pequeno little
Corro pra ti, morena
mas queres nada comigo

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Gênesis, capítulo 01 - versículo 03

Sou testemunha da tua criação.
Sou fiel antes mesmo de firmar sobre a pedra tua igreja.
Batizei-me antes mesmo de dizerem amém.

Não sabes a honra que tenho em presenciar os teus milagres.
Em ver os pássaros quebrarem a casca e saírem dos ovos,
e ganharem penas e voar. Voar para além dos horizontes ainda não limitados
pelos tristes olhos humanos.

E bebo da água dos rios antes de brotarem na nascente.
Estou ao teu lado antes dos anjos soarem trombetas.
Acompanho fazeres do barro, palavra.
E ilumino-me com o teu talento
antes do verbo ser feito.
E quando o fazes,
mostra-te divino.

domingo, 14 de agosto de 2011

Longe das canetas

Perdi minhas canetas.
Queimei os meus papéis.
Tranquei meus cadernos
juntos com os meus anéis.

Disfarço-me de iletrado
e mascaro a minha poesia.
Tornei-me despoemado;
hoje ando de cabeça erguida.

E por desfazer-me do teclado
não escrevo e nem mais crio.
E sinto-me longe do pecado
mas não mais longe do vinho.

E sofro sendo este novo ser;
ser que nada externiza.
O corpo quer esconder
mas a alma insiste e eterniza.

Voltarei para a vida pregressa!
Volto a beber o leite da letrada teta.
Volto às palavras em pressa.
Reencontrei as minhas canetas.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Tempo contradiz seu contratempo

Depois? Mas não era agora?
Vai que esgota o tempo
e vamos embora?
O que será de nós dois?

Vê se te esmera
que a espera não vigora.
Para entrar dei um dos bois,
mas dou a boiada pra não ficar de fora.

Não quero demora.
Tenho medo do que sois
e do que foste outrora.
Vai que acaba o nosso tempo?

Pois que o tédio aflora
e põe a vida na penhora.
A paciência já se opôs
e quer dar fim à sua labora.

Já sou uma senhora
e não sonho com chuva de arroz.
Vai que é o fim dos tempos
e não se foge e sem se devora.

Vai que é este o fim da história
e o tempo diz que é a sua hora?
Pois se não der pra fazer agora
talvez se possa deixar pra depois.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Falso remorso

tenho remorso,
causo desgosto,
mas faço o que posso.

esse mês de agosto
começou insosso
mas ainda aposto.

são minhas fichas em jogo,
e sei que é o meu rosto
que se arrisca ao tapa.

e uma noite na Lapa
traz seus perigos;
mas deles eu gosto.

já não trago comigo
a vergonha na cara
nem as armas à postos.

se causo destroços,
são consequência dos atos,
dos braços e beijos.

não considero um estrago
o que são estilhaços
do nosso desejo.

eu mesmo despejo,
eu mesmo ameaço,
eu mesmo obedeço.

o mesmo alvoroço
eu logo desfaço
e tudo renova.

já somos de novo
desconhecidos e
livres de esforços.

o falso remorso
se revela vencido
pelo cansaço.

o falso remorso
se mostra vestido
mas de pés descalços.

o falso remorso
acaba despido
e de olhos incautos.

o falso remorso
causou desgosto
e manchou o retrato.

nem mesmo a Lapa
perdoa um estrago
feito em agosto.

sábado, 6 de agosto de 2011

Divina virilha

Se Deus é a tua virilha,
sou devoto desta fé.
Chego sempre com a vela acesa,
subo de joelhos a escadaria,
adoro as tuas proezas
e comungo das tuas orgias.

Batizo-me nos teus líquidos,
confesso-me no teu gritar.
Pago o teu sacrifício
mas cobro o teu olhar misericordioso.

Teu terço e suas dores
são contas pra se rezar.
Teu berço padece de amores,
mas em teu leito não sobra lugar.

Faço o sinal em respeito
e rogo a quem te deseja (como eu)
que não pense mal
quando entro depressa em tua igreja;
Se tua virilha é Deus,
quero ser fiel na tua catedral.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A Valsa Paternal

Papai,
eu não te mereço.
Eu nem te conheço,
talvez nem ninguém.

Papai,
não te desmereço.
E guardo o apreço
que a mim me convém.

Papai,
verei se apareço
em teu novo endereço
no ano que vem.

Papai,
eu quase me esqueço
que já envelheço.
Não sou mais neném.

Papai,
não me reconheço,
virei do avesso.
Virei um outrem.

Papai,
após um tropeço
ganhei adereço:
um título além.

Papai,
não sabes o preço
que custa um berço ...
tá pra mais de cem.

Papai,
eu sei que me queixo
mas abaixo o queixo
e peço por bem.

Papai, por favor,
não vá embora,
pois eu, agora,
sou um pai também.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Certos usos da maçã

Serpente sabida,
do saber bifurcado,
da maçã oferecida
fez do fruto o pecado.

Rainha ultrapassada
quis de volta sua glória,
da maçã envenenada
fez do fruto uma história.

Com sua flecha apontada
e seu filho à revelia,
da maçã posicionada
fez do fruto pontaria.

Deitado descansava
um cientista encafifado,
da maçã que despencava
fez do fruto um legado.

A receita açucarada
a revestiu com um sabor,
da maçã cristalizada
fez do fruto o amor.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Espera encadernada

O teu silêncio me perturba.
O teu sumiço desconserta.
Porquê esconder atrás da juba
o quê o teu rugido descoberta?

As tuas palavras fazem falta.
Só uma imagem não sacia.
Ter seu nome em minha pauta
nada cala a agonia.

Não há razão pra se esconder.
Já sei que agora tens juízo.
Se por acaso aparecer,
saberás que te preciso.

Quando vens me consolar?
Tua distância é um castigo.
Quero tanto confessar
que teu sumir é desabrigo.

Tua morada desconheço,
e esperá-lo é sacrifício.
Mas se me der teu endereço,
me desfaço dos meus vícios.

Quando calas tua voz,
fica muda a minha alma.
Quando ages como algoz,
agoniza a minha calma.

Busco então em cada estrada
algum resquício dos teus passos.
Mas não há marcas de passada
quando vais de pés descalços.

Passo em frente ao meu espelho
e o reflexo espalha
aos sete ventos o conselho:
tua ida é uma navalha.

Retalhou minha juventude,
apressou os meus grisalhos.
Corvos rondam - e não se ilude,
já não temem o espantalho.

Resta a dúvida que grita
de onde não possuo escolta
enquanto não responde à aflita
que anseia tanto a tua volta.

E como a esposa viúva de guerra
que crê 'inda estar vivo seu amado homem.
Sei que ainda respiras sobre esta terra
enquanto eu não esquecer o teu nome.

Ai, que a vida 'inda te guia
de volta ao nosso antigo lar.
Ai, que a vida não trairia
a quem só soube te cuidar.

Crendo em Deus eu oro uma prece.
Jurando ao Diabo, eu não viro a face.
Aquele que o traz, logo carece
ter minha fé, meu sangue e carne.

Só me resta dormir e sonhar teu retorno.
Já é hora de ir e acabar com este inferno.
O raiar do novo dia traz junto o adorno
que enfeita teu rosto nas folhas do caderno.