segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Li nas pétalas do lírio

Mesmo sendo do reino das palavras
estou atento aos gestos ao redor de mim.
Não te preocupes, amor.
Não estou em risco quando ando
em meio a lobos e pernas estranhas.
Aliás, lá fora, na selva,
estou caminhando sobre as pedras polidas.
Não se preocupe.
Não cairei delas.

Além do mais,
mesmo estando assim,
no meio dos animais,
eu busco apenas a tua flor.
As tuas pétalas, o teu perfume.
Os teus espinhos.
Tocá-la.
Segurá-la e tê-la cravada em minhas mãos.
O sangue lava os meus dedos
e cobre cada virgem pétala tua.

Não tema os lobos e as pernas estranhas.
Não me interesso por corpos.
Quero apenas você,
minha flor, meu segredo.
Esconde uma planta-carnívora;
me engoliu na mata,
me excluiu da sociedade.
Em ti renasci verde, preso ao teu caule.
De nada mais preciso.
Só de luz, de água, terra
e tua seiva.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Cotidiano, de Fillipe Caetano

Este belíssimo texto é de um amigo que (ainda) não tem o seu próprio blog.
Posto seu trabalho aqui como um meio de divulgação de sua arte e também como incentivo para que ele crie o seu portal.
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Cotidiano

Inicia-se mais um dia e todas as suas tradições. A tentativa de abrir os olhos, em um primeiro momento, é em vão. Levantar-me, por conseguinte, é entender as forças físicas atuando sobre o corpo. O silêncio inunda o recinto. E lá se vão os minutos.
Torna-se um grande pesar o lento passar das horas, toque após toque, falsidade após falsidade, realidade após realidade... E os minutos se vão.
Chega o momento, então, que envolve toda uma expectativa implícita dentro de mim. Fronte cansada e ao mesmo tempo amarrada, dia interminável, problemas, ligações, compromissos, metas... E, de repente, um (lindo) sorriso aparece no centro dessa multidão, roubando toda a cena.

Sorriso de um ser poético, mágico. Em sua face, traz nariz bem modelado, longos cílios, sobrancelha cheia e muito bem delimitada, pequena curva no queixo... Seus cabelos e suas unhas são concomitante e (por que não?) previamente combinadas com suas roupas de estilo. Meu estilo, devo afirmar. Seus olhos são como o céu: inexplicavelmente profundos, grandiosos (nunca grandes, embora ela esteja certa disso) e sinal claro da existência divina. Além disso, têm a força de me despedaçar, sem grande esforço.
Quando, porém, o riso se esvai, meus olhos, enfim, se fixam nos seus (pois o contrário tem alta parcela de improbabilidade). Estatizam-se. Enquanto observo um tom desconhecido de castanho claro penetrar meu olhar singelo e normal, o sorriso retorna, contido, pouco a pouco. As palavras do ambiente voam pelos ares. Passam, tocam as paredes, ressoam, encontram outras pessoas; mas a mim, em nada afeta. Ah quisera eu ouvir algo ou distrair meu olhar! Algo me algema, em cárcere privado. O melhor dos castigos. Ouço, enfim, uma palavra: a Guarda de cela quer ver como anda seu prisioneiro. "Tudo bem?", pergunta. "Claro...", respondo. Mas de um diálogo tão banal, surge o ápice do dia: seu toque. Eis que agora estou sentenciado à prisão perpétua. Impressionantemente, os minutos não se vão. E todas as minhas angústias, tristezas e tribulações dissipam-se.

Neste momento, sinto os tais sinos que outrora eram introduzidos à minha mente como sinal de um nobre sentimento. E, mesmo sem muito nexo ou analogia aparente, recordo claramente de minha avó exortando-me, quando criança: "Quem com ferro fere, com ferro será ferido...". Tomo, pois, a liberdade de parodiar o provérbio, reaproveitando-o ao meu contexto atual: "Quem com ferro fere, por Ferrol será ferido...". Direto no coração. Se bem que não firo nem a uma formiga...
Não a estou amando, embora acredite não ser isso muito difícil.
Não a desejo, pois compreendo tal palavra com certo anseio.
E nada peço, dia após dia, senão:
Vida, permita-me contemplá-la mais uma vez amanhã.

(O tempo parou.)

Quando com Isadora

Quando me devora com os olhos,
quando me adora com a pele,
quando me enclausura com as pernas,
quando se instaura no meu grito,
quando reitera que me ama,
quando me insere no infinito,
quando retira-me de mim
e me estira no fim da cama,
ah, Isadora,
essa é a hora em que a chama
arde mais um pouco
e toma todo o meu corpo
esperando a tua volta.

Agnes, sei de ti

Agnes,
teu nome esconde a tua verdade.
És a loba morena, do uivado noturno.
És mulher sapiente dos desejos do mundo.

Quando usas do teu nome,
e faz-se de cordeiro,
toma o homem de surpresa
e acerta o seu corpo em cheio.

Agnes,
joga no chão a lã que te cobre.
Mostra-te loba. Aqui está a minha carne,
devora-me.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Não é possível tocar o Senhor

Rogam ao céu
os que nadam no mar de excrementos.
Não há resposta.
Não há ungüento para os filhos do léu.

Esgotos habitados pelos rebentos
de um Deus que é lama -
que não é sólido; que não é líquido -
um Deus que não ama.

E perto da morte
eis que o pó encontra a rocha que o originou.
E ao tentar a sorte,
eis que o filho toca o corpo do Senhor.

Sua mão afunda
naquele que é o Pai.
O filho se inunda.
O filho se imunda.
O filho se afoga na fossa,
e cai.

Tantas

Faça gemer as gêmeas,
faça tremer as trigêmeas.

Mas daquela que é filha única
faça cair a túnica,
e assim que o véu tocar o chão
descubra as mil mulheres que habitavam a imensidão.

domingo, 12 de setembro de 2010

Utopia

Olhos nos teus olhos e cego-me na imensidão.
Ouço suas palavras e me afogo
no oceano do que as suas palavras querem dizer.
Me perco nos labirintos do seu perfume,
caio na lábia do teu gosto
e tua pele fez de mim prisioneiro.

Não há fuga de ti.
E não quero fugir.
Mas entendê-la, quem sabe ...

Ainda hei de dizer que sei
o que escondes detrás dos sentidos teus,
mulher.

Certos versos meus

Certos versos meus são belos
quando sou honesto com os meus sentimentos.
Quando não omito os meus sentidos.

Mas para ser honesto,
revelo as minhas mentiras.
Mostro a todos a verdadeira face
do falso poeta.
Dilacero-me em frente aos olhos outros.
Assim enxergo-me.

Minto para ocultar o que nem sei.
Disfarces que estruturam os pilares das minhas inverdades.
E onde está a beleza dos versos da incerteza?

Pouco sustento para a terra faminta

Sou um tanto de gente,
sou um nada de homem.
Sou o que a terra come
quando chama a fome.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Tanto mar ... tanto mar

Há um oceano entre mim e a realidade.
Estou ilhado nas minhas fantasias.
Minha ilha flutua sobre as águas
e eu flutuo sobre a ilha.

Quando terei terra à vista?
Quando terei chão sob os pés?

Há um oceano entre meus olhos e minha tez.
São minhas lágrimas. Minhas enchentes.
Choro a dor de poder morrer na praia
sem nem ter nadado para tal.

Choro a dor de nem ...
Porque chorar o que não doeu ainda?
Ah, rapaz!, agite os braços sobre as ondas,
emerja as pernas dentre as correntezas,
dance no olho do redemoinho!
Se são seus os sonhos, as ilhas
e os oceanos,
és o dono do teu desaguar.

Há um oceano entre mim e mim mesmo.
Tanto mar pra se afogar.