terça-feira, 5 de janeiro de 2010

e disse O'Brien - um excerto de "1984", de George Orwell

"- Como é que um homem afirma o seu poder sobre o outro, Winston?

Winston refletiu.

- Fazendo-o sofrer.

-Exatamente. Fazendo-o sofrer. A obediência não basta. A menos que sofra, como podes ter certeza de que ele obedece tua vontade e não a dele? O poder reside em infligir dor e humilhação. O poder está em se despedaçar os cérebros humanos e tornar a juntá-los da forma que se entender. Começas a distinguir que tipo de mundo estamos criando? É exatamente o contrário das estúpidas utopias hedonísticas que os antigos reformadores imaginavam. Um mundo de medo, traição e tormento, um mundo de pisar e ser pisado, um mundo que se tornará cada vez mais impiedoso, à medida que se refina. O progresso em nosso mundo será o progresso no sentido de maior dor. As velhas civilizações proclamavam-se fundadas no amor ou na justiça. A nossa funda-se no ódio. Em nosso mundo não haverá outras emoções além do medo, fúria, triunfo e autodegradação. Destruiremos tudo o mais - tudo. Já estamos liquidando os hábitos de pensamento que sobreviveram de antes da Revolução. Cortamos os laços entre filho e pai, entre homem e mulher, entre mulher e homem. Ninguém mais ousa confiar na esposa, no filho ou no amigo. Mas no futuro não haverá esposas nem amigos. As crianças serão tomadas das mães ao nascer, como se tiram os ovos da galinha. O instinto sexual será extirpado. A procriação será uma formalidade anual como a renovação de um talão de racionamento. Aboliremos o orgasmo. Nossos neurologistas estão trabalhando nisso. Não haverá lealdade, exceto lealdade ao Partido. Não haverá amor, exceto amor ao Grande Irmão. Não haverá riso, exceto o riso de vitória sobre o inimigo derrotado. Não haverá nem arte, nem literatura, nem ciência. Quando formos onipotentes, não teremos mais necessidade de ciência. Não haverá mais distinção entre a beleza e a feiura. Não haverá curiosidade, nem fruição do processo da vida. Todos os prazeres concorrentes serão destruídos. Mas sempre ... não te esqueças, Winston ... sempre haverá a embriaguez do poder, constantemente crescendo e constantemente se tornando mais sutil. Sempre, a todo momento, haverá gozo da vitória, sensação de pisar um inimigo inerme. Se queres uma imagem do futuro, pensa numa bota pisando um rosto humano - para sempre."

2 comentários:

vale a pena disse...

E você o que achou? Não vai dar uma ideia sua? Ou o impacto da leitura foi tão grande que não lhe sobraram palavras?
Acho que este futuro está meio caricaturizado, pois o homem chegou a um refinamento tal que não precisará criar tal situação para o domínio do outro. Sugiro que vc leia o romance This Perfect Day (Este mundo perfeito)de Ira Levin( o mesmo do bebê de Rosemary), que é baseado do Admirável Mundo Novo de Huxley. Você vai gostar, porque embora romanceado fica mais perto de nós.

George Luis disse...

Vou comentar sim! Aguarde o próximo post.