Será que foi alguma coisa que eu comi?
Tudo está rodando ...
mas não é à minha volta;
é dentro de mim.
Uma náusea me consome
e dentro de mim o mundo gira.
O tempo não se propõe a parar.
A minha dor não é maior que o tempo.
Ela dura além do meu relógio de pulso.
A dor pulsa, assim como o meu coração.
Ah! Mas que sensação horrível!
Eu daria tudo para chegar logo em casa.
Para quê?
Ora ... para poder expelir esse mal meio sólido,
meio líquido que se instaurou em meu estômago.
Essa coisa que deveria me nutrir,
mas não: me atacou.
Fingiu ser alimento,
e quando -pobre de mim! - senti-me saciado
se voltou contra o meu corpo e quis fugir.
Nem o que consumo me sustém.
E pensas que é assim, fácil,
vomitar?
Para mim isso é um ritual.
Só em minha casa, no meu banheiro,
numa intimidade minha e do sanitário
é que abro-me por inteiro.
Escancaro o que nem meus olhos enxergam
e, numa verdade suja e porcelânica,
faço um canal entre o meu estômago e o esgoto.
Será uma viagem única para o que regurgitarei.
Adeus alimento ingrato!
Recusaste fazer parte de mim.
Dei-te meu corpo e preferiste me abandonar
e sair numa corrente mágica,
o fluxo infinito da descarga ,
que o levou para um mar de detritos e degetos.
Adeus, e tenho pena de sua inútil viagem.
Se querias a latrina,
antes me habitasse um pouco mais
e verias que meu sangue é fétido e minhas veias, puros canos enferrujados.
Meu corpo pútrido não é mais digno nem do prazer do paladar.
Não mereço mais o sabor do prazer,
o prazer do sabor.
Num ritual demorado e sacro,
coço a cabeça,
ajoelho-me diante do meu Deus de porcelana
e grito, em dor, a lástima do meu sacrifício.
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