terça-feira, 25 de novembro de 2014

Incansável fazedor de coisas

O sol nasce e o que desperta a dor
é o rádio relógio.
E sinto ódio do sol que cega o sonho.

O relógio e o calendário
tão ocupados, tão preenchidos
fazem dos meus dias e horas
máquina e produção.
Esquecem que nem tudo trabalha no ponteiro ou na folhinha.
Dor não tem feriado, lágrima não tem hora de almoço.
Felicidade não faz hora extra.

A engrenagem na engrenagem faz movimento e energia.
Mas qual maquinaria fará descanso e resiliência?
Bato o ponto.
E qual é o ponto?
Tudo cinza, metal, tudo frio.
O vazio é contrário de cheio,
é contrário de contrário de solidão.

O sol se põe e o que encerra o dia
cerra o expediente.
Será que a gente um dia vira dono de si?
Ou será ser servo do próprio desejo o nosso destino?
Desatino ao fim da produção. Trabalho feito.
E se encontram defeito no produto?
Devolução.

E se encontram defeito no fazedor do produto?

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Aula extra

Me ensina a não sentir falta
a desfazer o tear
Me ensina a esquecer a valsa
me ensina a regurgitar

Me ensina a perder a memória
a apagar o cartão
Me ensina a mudar a história
escrita no coração

Me ensina a dizer nunca mais
a queimar calendários
Me ensina não olhar para trás
Me ensina a pular aniversários

Me ensina como se ama
uma pessoa qualquer
Me ensina a buscar outra cama
e nela deitar com outra mulher

Me ensina a subtração
conter minhas lágrimas
Me ensina a sair do chão
me ensina a buscar vida cálida

Me ensina o caminho do adeus
o lugar que se some
me ensina a pedir a deus
como é que eu esqueço teu nome

Me ensina a desaprender
tudo o que a gente viveu
Me ensina a deixar de ser dois
o que é ser depois
o que é ser só eu.

domingo, 23 de novembro de 2014

Injusto sono dos justos

Sonhei com você
Senti teu sabor num sonho
Senti teu abraço, teu corpo, teu calor
Senti saudades

Porque só te tenho quando fecho os olhos?

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Não quero saber de ti

Ouço teu nome.
Viro as costas.
Saber de ti é me lanhar.

Você partiu.
Lavei teus resquícios.
E quando falam de ti - não há jeito -
teu nome me cobre de chagas.

Ouço teu nome.
Faço as apostas.
Saber de ti vai me sarar?

Você partiu.
Não vi os indícios.
E se falam de ti - não há jeito -
revelam-se em mim os estragos.

Ouço teu nome.
Cicatrizes expostas.
Saber de ti só faz me cegar.

Você partiu.
Viu no fim um início.
E pra falarem de ti - não há jeito -
é preciso falar das adagas.

Ouço teu nome.
E teu nome é uma reposta.
Saber de ti é também caminhar.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A luz da lua púrpura

Por trás do alto do morro
Por cima da copa das árvores
Avisto a luz da lua púrpura
Ela nos banha de noite
Ela nos livra de culpa
Ilumina a rota dos rotos
E faz breu nos medos dos outros

A praça vazia e serena
coberta de estrela e sereno
fez de um momento pequeno
uma lembrança em beleza plena

Por trás do alto dos fios
Por cima da pele e do pelo
Avisto a luz da lua púrpura
Ela, delicada te banha
Ela me afoga em desejo
Ilumina o rito dos retos
E faz mito dos ditos secretos

A praça em nu silêncio
desperta sem qualquer decência
fez de um momento suspenso
uma flor que enraíza em urgência

Por trás do alto do lábio
Por cima da língua e do beijo
Avisto a luz da lua púrpura
Ela, molhada te suga
Ela, segura me lanha
Ilumina o agora fértil solo
E caem frutos no antes seco colo

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Alors brûle

Me queimei há muito tempo
no fogo que em lava lava a tua cama.
As marcas feitas na pele, frutos da chama,
se bem me lembro,
foram trama:
teu frio plano.


terça-feira, 4 de novembro de 2014

Te conto depois das seis

É uma bomba muito grande pras três da tarde?
Só fora do sol que arde é possível contemplar tal questão?
Ora, se a lua lá fora é garantia da tua calma,
sossega a alma que a noite fará de mim
guardião.


domingo, 2 de novembro de 2014

Prestando atenção

Sabe o que eu reparei?
Ontem, quando eu cheguei
e abri a porta e subi as escadas
e você não estava no quarto,
sabe o que eu encontrei?
Ontem quando eu tomei banho
e troquei de roupa e me vesti novamente,
sabe o que eu percebi?
A tua falta. Lá estava a falta
de quem não estava lá.
E lá fiquei, parado
e tentando entender qual a diferença
de ontem para os dias anteriores.
Meus olhos não estavam molhados.
Minhas mãos não tremiam.
Meu corpo não sentia saudade do teu.

Aí hoje eu acordei,
tomei banho, me vesti,
saí de casa, trabalhei,
fiz todas as coisas da rua
e voltei.
Sabe o que eu reparei?
Cada dia é um dia.
Hoje ele é só agonia
por toda essa distância.
A ânsia não é mais por tua volta
é por minha definitiva partida.