terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O corpo da minha mulher

O corpo da minha mulher tem caminhos.
Tem rotas, tem fugas, tem esconderijos.
O corpo da minha mulher é abrigo,
é escolta, é escudo, é uma lança.
O corpo da minha mulher é gruta,
é caverna, é escola, é prisão.
É lar.

O corpo da minha mulher tem formas.
Tem marcas, tem resquícios.
Tem linhas, tem curvas, tem cantos.
O corpo da minha mulher tem encantos,
tem encontros, tem espaços.
Tem inchaços, tem relevo.
O corpo da minha mulher tem cor,
tem manchas, tem texturas.

O corpo da minha mulher tem de tudo.
O corpo da minha mulher tem tantos,
tem muitos, tem vários.

De tudo o que tem e o que falta
o corpo da minha mulher não possui defeitos.
Entre defesas, ataques e efeitos,
o corpo da minha mulher tem o que em outros corpos nunca vi.

O corpo da minha mulher não tem poucas coisas.
Não tem donos, não tem trancas, não tem atalhos.
O corpo da minha mulher não é meu.
Eu sou nela.
O corpo da minha mulher tem eu.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Esperando acordado

Vou dormir e esperar o sonho.
Realidade é verbo.
Sonho é número.

Vou dormir e esperar fevereiro.
Acordado todo dia é quarta-feira.
Todo dia eu sou cinzas.

Vou dormir e esperar sua chegada.
Sozinho eu não vejo.
Desperto em teu beijo.

Vou dormir e esperar que acorde.
Eu falo dormindo.
Eu acordo mudo.

Vou dormir e esperar um acorde.
Eu canto dormindo.
Eu acordo e mudo.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Pois é, moço

Pois é, moço.
Você pediu segredo.
Pediu silêncio.
Escondeu os atos,
camuflou os sentidos.

Pois é, moço.
Você saiu mais cedo.
Acendeu um incenso
pra despistar dos olfatos
o perfume dos corpos despidos.

Pois é, moço.
Você não esqueceu um pijama,
não deixou impressões digitais.
Limpou os fluidos da cama,
fingiu não haver filiais.

Pois é, moço.
As máscaras caem.
A gravidade não perdoa nada,
nem mesmo a hipocrisia.
Agora que a lama subiu no pescoço,
e agora, moço, e agora?
Como escapar dos olhos de quem te guia?

Já era a hora, moço.
Eis a tua verdadeira face.
E se não consegues se ver,
como se mostrar?
Vê se esquece que tu é esboço
e concretiza a tua imagem.

Quanta bobagem, moço.
Se não és feito de carne e osso,
se revelas ser de mofo e destroços,
é quando sei que não posso
cair contigo no fundo do poço.
Pois é, moço. Adeus.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Ego e tal

A viagem. Assim, muito bem pensada. Eu sabia o que fazer, como jogar (a gente sempre tem que saber). Mas algo me fez esconder a minha feiura. A viagem. Assim, praticada. Com suas máquinas e pensamentos. Fruto podre da sacanagem, mas sobretudo das destrezas... Sim, tenho algumas destrezas, mas "essa" eu sabia que valeria. A viagem. Viagem de escrúpulos (esses ainda não retornaram). Um dos maiores presentes da vida. Da minha vida (eu eu eu). Talvez não soubessem disso tudo mas não tinha dimensão da força da canalhice explícita. Não me admirei nem me surpreendi - apenas tenho sentido, sem esforço, que o outro nada me importa... A viagem. Uma metáfora para que me conheçam fragmentado. Uma lembrança de que escutar, ver, sentir o que sou não é prática trivial nem difícil, só revela. Basta querer. A viagem... Emblemática no modo como foi pensada. Como está sendo traída. E como será vingada.